O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, completa um mês nesta semana no cargo. Na pasta mais turbulenta do atual governo, já foi o suficiente para ele superar um de seus antecessores, o oncologista Nelson Teich, que ficou 29 dias na mesma cadeira. Quarto homem a ocupar o posto durante a pandemia, Queiroga aceitou o trabalho no momento mais dramático da crise sanitária. Precisa recuperar o tempo perdido pelo governo federal na busca de mais vacinas e achar recursos para ajudar a rede hospitalar em situação de colapso. Cardiologista bastante respeitado por seus pares, ele tem ainda de pisar em ovos por ser subordinado a um presidente negacionista, que considera a palavra lockdown um palavrão, embora o fechamento radical das atividades seja em alguns casos um remédio amargo e necessário para controlar a disseminação da doença. Por isso, o ministro evita o uso do termo problemático, preferindo falar em “distanciamento social inteligente”. Se não bastassem os enormes desafios, tem de administrar a herança problemática do antecessor, o general Eduardo Pazuello — que, entre outros atropelos, mandou as vacinas de Manaus para Macapá e foi ao Amazonas oferecer cloroquina quando faltava oxigênio.
A despeito do pouco tempo e das gigantescas dificuldades, alguns avanços começam a aparecer. No campo da busca por imunizantes, Queiroga comemorou na quarta 14 um acordo para antecipar 2 milhões de doses da Pfizer. No ministério, vem se empenhando para “desmilitarizar” a pasta. Na gestão Pazuello, mais de vinte homens vindos dos quartéis ocuparam cargos por lá, incluindo os mais importantes. Queiroga já tirou de cena algumas peças. No primeiro escalão, os coronéis do Exército Elcio Franco (Secretaria Executiva) e Otávio Franco Duarte (Secretaria de Atenção Especializada) deram lugar, respectivamente, ao engenheiro civil Rodrigo Cruz, especialista em logística — qualidade que Pazuello dizia ter e não mostrou —, e ao ortopedista Sérgio Okane.
Novo número 2 da pasta, Cruz era secretário-executivo adjunto do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Com doutorado e mestrado em transportes, foi o responsável por trazer toneladas de máscaras, testes e outros insumos hospitalares numa operação com mais de quinze aeronaves no meio de 2020, que foi considerada exitosa. A ideia do governo é, com a nomeação do engenheiro, unir o Ministério da Saúde ao da Infraestrutura para resolver um dos maiores gargalos da gestão Pazuello — as trapalhadas na logística de distribuição de vacinas e insumos, como oxigênio. Outro destaque da gestão Queiroga é a enfermeira Francieli Fontana, nomeada para a recém-criada Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid. Funcionária de carreira do Ministério da Saúde, é a responsável pela coordenação do Programa Nacional de Imunizações e foi apresentada na quarta passada como um “gesto” de que a nova administração valoriza os servidores da pasta e a campanha de vacinação.
Aliás, diferentemente de Pazuello, que não tinha paciência para as articulações políticas e os questionamentos críticos, fazer “gestos” é a especialidade do novo ministro. Sempre vestido de jaleco e de máscara N95, Queiroga passou a fazer visitas frequentes a hospitais, reunir-se com embaixadores e representantes da OMS e de laboratórios farmacêuticos e, como não poderia deixar de ser, abrir espaço na agenda movimentada para receber parlamentares do baixo clero. Na última semana, também se encontrou com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), um dos principais críticos à condução do presidente Jair Bolsonaro à frente da pandemia. O tucano classificou a reunião como “ótima” e disse ter ficado “contente” com a “competência” dos técnicos da pasta. Alguns dias antes, o ministro havia se reunido com o embaixador da China, Yang Wanming, que é odiado pelos filhos de Bolsonaro e seus seguidores, a quem apelou para a liberação de insumos da vacina — vem de lá a matéria-prima para produzir os dois imunizantes aplicados no Brasil. Também foi simbólica a visita ao Hospital das Clínicas da USP ao lado do secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, outro crítico do governo, logo após assumir a pasta.
Apesar da nova equipe, Queiroga ainda continua enfrentando velhos problemas da antiga gestão. Em reunião recente com representantes de governadores, prefeitos, Senado e Câmara, ouviu queixas sobre a falta de um cronograma realista de vacinação e as acusações de Bolsonaro e dos filhos de que os estados não estão aplicando todas as doses enviadas. Ele tem driblado as reclamações até agora e conseguiu finalmente lançar a campanha publicitária para promover a vacinação e as medidas de prevenção contra a Covid-19. As peças começaram a ser veiculadas em abril — algumas orientam a população a usar máscara e a praticar o “distanciamento social”, medida atacada e desrespeitada por Bolsonaro. Outro problema urgente é a escassez de medicamentos para pacientes graves, o chamado “kit intubação”. Na última terça, o governo de São Paulo enviou um ofício ao ministro avisando sobre a “iminência do colapso”. “Espero que o ministro, tendo uma formação de ciência médica, siga a ciência”, afirma o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). Não se espera que Queiroga opere milagres, mas que seja capaz de oferecer doses de eficiência e de bom senso, artigos raros nos últimos tempos e cruciais neste momento tão difícil para o país.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734