Governo quer que “linguagem neutra” entre na pauta do Congresso
Aliados, no entanto, dizem que o presidente Lula resiste à ideia e não quer e envolver nessa polêmica -- não agora
O governo vai dar munição aos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, especialmente àqueles que se dedicam a defender pautas mais conservadoras. O Ministério da Cultura divulgou uma lista com 30 propostas que devem fazer parte do novo Plano Nacional de Cultura, uma lei que, se aprovada no Congresso, vai estabelecer as metas do setor pelos próximos dez anos. A Pasta é comandada pela ministra Margareth Menezes.
Uma das propostas — talvez a mais polêmica — é a criação de um programa que prevê que estudantes, educadores e gestores terão “formação para uso da linguagem neutra”. O tema divide opiniões. As palavras “todos” e “todas”, por exemplo, seriam substituídas por “todes”. “Menino” e “menina” dariam lugar a “menine”. Os debates certamente serão acalorados.
Um dos maiores críticos da instituição da chamada linguagem neutra ou não binária é o atual presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Nikolas Ferreira (PL-MG). Quando era vereador em Belo Horizonte, ele conseguiu aprovar uma lei municipal que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas da capital mineira. “Em BH, não tem mais ‘todes’. A língua portuguesa será respeitada”, disse ele na época.
Depois de enviado pelo governo, o projeto será analisado pela comissão de Educação, que, além de Nikolas, é controlada por parlamentares de perfil conservador.
O incentivo à linguagem neutra foi uma das propostas aprovadas em um encontro que reuniu em Brasília mais de 4 mil pessoas ligadas a diversos setores da arte e do entretenimento. O presidente Lula discursou na conferência. Porém, é pouco provável que a proposta avance no Congresso — e não é só por isso.
O novo Plano Nacional de Cultura prevê que os programas de educação e treinamento de professores serão financiados pelo contribuinte. A proposta destina parte do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas para um fundo, cujo objetivo, entre outras coisas, é proporcionar “a diversidade de linguagens, de segmentos e de expressões” e a “participação acessível, inclusiva e universal”.
Nos bastidores, governistas garantem que o presidente Lula resiste à ideia de se envolver nesse debate — ao menos agora.
O Ministério da Cultura enviou neste domingo, 12, a seguinte nota a VEJA:
“Em relação à matéria “Governo quer que ‘linguagem neutra’ entre na pauta do Congresso”, vale esclarecer que as propostas apresentadas e votadas durante a 4ª Conferência Nacional de Cultura não são propostas do Ministério da Cultura e sim resultado dos debates públicos entre os delegados da Conferência, realizada de 4 a 8 de março deste ano, em Brasília.Todas as propostas apresentadas no documento final foram debatidas em grupos e em uma plenária final. Porém, não são automaticamente revertidas em metas ou objetivos do Plano Nacional de Cultura. Elas serão subsídio para a elaboração do novo Plano Nacional de Cultura – o atual PNC encerra sua vigência em dezembro de 2024. A elaboração do PNC passa ainda por etapas de sistematização, organização metodológica e consultas públicas que serão conduzidas pelo Comitê do PNC, instância com representação da sociedade civil, de gestores e do Congresso Nacional, ao qual o novo Plano será encaminhado para votação. É, portanto, equivocado afirmar que o Ministério da Cultura irá enviar ao Congresso Nacional proposta prevendo uso da linguagem neutra”.
Nota da redação de VEJA:
A matéria de VEJA foi feita com base em informação divulgada pelo próprio Ministério da Cultura esta semana, dizendo que as 30 propostas prioritárias, incluindo a linguagem neutra, são o pontapé inicial para a elaboração do Plano Nacional de Cultura, e com base em entrevista com uma das assessoras do Minc, que informou que as 30 propostas prioritárias vão “basear” o novo Plano Nacional de Cultura. Segue informação divulgada pelo Minc dia 8 de maio:
“MinC divulga as 30 propostas prioritárias aprovadas durante a 4ª Conferência Nacional de Cultura – Divididas por eixos temáticos, as proposições serão a base do novo Plano Nacional de Cultura. O Ministério da Cultura (MinC) divulgou nesta terça (7), o documento com as 30 propostas de políticas públicas que foram aprovadas como prioritárias durante a realização da 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC). As proposições, divididas em seis eixos temáticos, foram aprovadas durante a plenária final da 4ª CNC, no dia 7 de março. Cumprindo o prazo regimental de 60 dias para publicação do resultado, o MinC concluiu o trabalho de consolidação das propostas. Você pode acessar aqui a íntegra do material. A 4ª CNC começou com 140 propostas, que chegaram das conferências locais realizadas nos municípios, estados e no Distrito Federal. Foram criados 13 Grupos de Trabalho para aprofundar os debates e definir as prioridades durante a Conferência. O resultado foi a seleção de 84 propostas, apreciadas nas seis plenárias dos eixos temáticos e, depois, na plenária final – que votou as 30 prioritárias. Para a secretária dos Comitês de Cultura, Roberta Martins, responsável pela realização da 4ª CNC, a entrega do texto final para sociedade representa a conclusão da Conferência, mas lembra que ainda há muito trabalho pela frente. “As 30 propostas prioritárias são o pontapé inicial para a elaboração do Plano Nacional de Cultura. O texto aprovado na 4ª CNC representa parte dos anseios da sociedade civil e está na direção do que o MinC entende que é necessário fazer para aumentar a potência da cultura como um setor que contribui para construção social e para o fortalecimento econômico do país. Agora, iniciamos um novo processo, de colher mais contribuições, contando com a participação popular, para planejar políticas culturais para os próximos 10 anos”, avaliou. O Plano Nacional de Cultura (PNC) é um conjunto de diretrizes, com previsão de ações e de metas, que orientam o poder público na formulação de políticas culturais. Previsto no artigo 215 da Constituição Federal, o Plano foi criado pela Lei n° 12.343, de 2 de dezembro de 2010, com validade de 10 anos. No entanto, em 2021 e 2022, o PNC passou por duas prorrogações e por isso a vigência está válida até dezembro de 2024”.