Governo e Congresso reagem à própria omissão no caso das bets
Debate sobre a regulamentação do mercado de apostas sempre priorizou os interesses econômicos e negligenciou os múltiplos problemas decorrentes da jogatina
Na Praça dos Três Poderes, os interesses econômicos costumam prevalecer sobre qualquer outro aspecto, como a repercussão social de uma medida. Foi o que ocorreu no caso da regulamentação das apostas esportivas online. O governo propôs a legalização das chamadas bets para aumentar a arrecadação. Em sua cruzada para equilibrar as contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apostou na iniciativa como forma de angariar, segundo a previsão inicial, entre 6 bilhões de reais e 12 bilhões de reais ao ano.
Ciente do apetite da União, as empresas priorizaram na negociação a redução do valor do tributo que seria cobrado delas, alegando que, dependendo da alíquota, a maioria ficaria de forma da regulamentação e continuaria a atuar de forma clandestina. Os dois lados chegaram a um meio-termo. Já o Congresso dedicou atenção especial ao rateio dos recursos que entrariam no caixa federal. O Centrão, por exemplo, conseguiu que fatias do dinheiro fossem repassadas a pastas controladas pelo grupo.
Durante todo o processo, nenhuma das partes envolvidas tratou como prioridade os riscos de vício nas apostas online e até mesmo de uso dessa prática para lavagem de dinheiro. Os interesses de cada setor sobressaíram ao interesse coletivo.
Sinal de alerta
O assunto parecia resolvido até uma nota técnica do Banco Central revelar o tamanho da encrenca. Segundo o texto, só em agosto foram 21 bilhões de reais em apostas online feitas apenas por meio de Pix. Do total, 3 bilhões de reais foram gastos por beneficiários do Bolsa Família, que custa aos cofres públicos 14 bilhões de reais ao mês. Ou seja, as bets consumiram cerca de 20% do total repassado em agosto pelo principal programa de transferência de renda.
Os dados provocaram as indignações de praxe e reações diversas. O presidente Lula pediu providências para que o orçamento das famílias mais pobres não seja prejudicado pela jogatina. Uma das ideias em estudo é que o cartão do Bolsa Família não possa ser usado para pagar apostas online. “Você vai ter CPF por CPF de quem está apostando, tudo sigiloso. Vamos poder ter um sistema de alerta em relação às pessoas que estão revelando uma certa dependência psicológica do jogo”, declarou Haddad.
Parlamentares também resolveram participar da reação e propuseram uma série de projetos, como a proibição de propagandas das bets. Ou seja: há um esforço de Executivo e Legislativo para atenuar a própria omissão. Antes tarde do que nunca. Essa iniciativa é impulsionada não apenas pela preocupação com os aspectos sociais.
Bancos, por exemplo, manifestaram apreensão com a possibilidade de aumento da inadimplência. O dinheiro gasto nas apostas atrasaria o pagamento de empréstimos. Varejistas também temem um recuo em suas vendas e, para evitar a sangria, recorreram ao Supremo pedindo a suspensão da regulamentação das bets.