Enquanto o presidente Jair Bolsonaro dava sinais em público de que descartaria a vacina CoronaVac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butatan, seus principais auxiliares faziam o movimento contrário.
No âmbito das discussões sobre o Plano Nacional de Imunização (PNI), em dezembro do ano passado, integrantes do Ministério da Saúde e o próprio ministro Eduardo Pazuello buscaram ministros do Supremo Tribunal Federal para apresentar o programa federal de vacinação. A intenção já era evitar que o governador de São Paulo, João Doria, tomasse para si as vacinas produzidas pelo Butantan.
O PNI detalha quais são as vacinas já adquiridas e em negociação pelo governo, o esquema logístico da distribuição do imunizante e quais serão os grupos prioritários. Além disso, prevê a equidade do repasse das vacinas para a população – ou seja, impede que haja algum tipo de estratificação no momento da distribuição do imunizante. A ideia, ao contrário disso, é que a vacinação comece em todos os estados do país de maneira proporcional e simultânea.
Foi com base nesse argumento que auxiliares do governo sustentaram que todo e qualquer imunizante que fosse autorizado pelas agências reguladoras teria de imediatamente passar a integrar o plano nacional. A avaliação era a de que se a vacinação começasse antes em uma determinada região, ela quebraria a premissa de que o sistema de saúde deve ser igualitário a todos os brasileiros.
Na ocasião, pelo menos três ministros do STF foram informados de que, por causa desse entendimento, a vacina do Instituto Butantan, pleiteada pelo governador de São Paulo, João Doria, para ser distribuída entre a população paulista, seria integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e entregue às 27 unidades da federação.
Também foi sustentado que o Ministério da Saúde já havia assinado um convênio com o Instituto Butantan que, com investimentos federais, ajudaria na produção da vacina, e que a própria Fiocruz, vinculada à pasta, estava participando da fase 3 dos testes. Portanto, por esse raciocínio, não haveria como dissociar a vacina produzida pelo instituto Butantan do governo federal.
A iniciativa já antecipava uma guerra entre o governo federal e o governador de São Paulo sobre quem vai colher os louros de iniciar a vacinação no país. Internamente, não estava descartada a possibilidade de que, se a decisão não viesse por meio de um acordo entre ambas as partes, a matéria acabaria tendo de ser arbitrada pela Suprema Corte.
A disputa se materializou nesta semana. Logo após o anúncio da eficácia da vacina CoronaVac, o ministro Eduardo Pazuello disse que comprará as 100 milhões de doses previstas pelo Butantan. A formalização da aquisição do imunizante foi encaminhada na noite de quinta-feira (7).
Nos bastidores, aliados de João Doria afirmam que o governo caiu na isca do tucano, que visa disputar a Presidência da República em 2022 contra Jair Bolsonaro. Interessa a Doria, portanto, a propagação da percepção de que a sua aposta sobre a vacina foi a que saiu vitoriosa. Em vídeo divulgado nas suas redes sociais, o governador paulista afirmou que sempre desejou que o Ministério da Saúde comprasse a vacina. “O que nós mais desejamos é que a vacina do Butantan atenda todo o Brasil, atenda todos os brasileiros – os brasileiros de São Paulo e, repito, os brasileiros de todos os demais 26 estados do país”, disse Doria.
O governo federal, em outra frente, tenta se antecipar ao governador paulista. Uma compra de emergência garantiu o envio de 2 milhões de doses prontas da vacina produzida pela farmacêutica AstraZeneca, na Índia. A expectativa, um tanto otimista, é que o imunizante consiga autorização célere da Anvisa e a aplicação comece no dia 20 deste mês. Já o governador João Doria trabalha com o plano de iniciar a vacinação com a CoronaVac no dia 25.
Em meio a essa guerra despropositada, o que a maioria dos brasileiros quer é receber a vacina. O quanto antes.
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