Com larga estrada na política, Luiz Inácio Lula da Silva já teve várias vezes testada sua capacidade de influenciar o eleitorado a ungir nas urnas seus aliados. As eleições de 2022 favoreceriam, ao menos teoricamente, ainda mais o seu potencial de apadrinhar candidatos, dado que Lula já foi presidente duas vezes, é vastamente conhecido, e afiou sua habilidade para tecer as costuras necessárias. Seu feito mais notório nesse campo foi emplacar no Planalto, em 2010, a ministra Dilma Rousseff, então desconhecida. Agora, com o cacife em alta, era de esperar que ele emprestasse sua popularidade aos postulantes que apoia em todo o país, como figura estratégica nos palcos estaduais. Mas não é o que se tem visto. Em nenhuma unidade da federação um aspirante a governador da coligação petista ombreia com Lula nos levantamentos. Em dez estados em que o ex-presidente lidera nas intenções de voto para o Planalto, em alguns casos com folga, quem está na disputa em sua chapa pena para conquistar a preferência. Há um Lula grande na disputa com Bolsonaro e outro, menor, nas vitrines regionais.
Uma parte da explicação se deve às nuances locais — há tantas particularidades em cada estado que atribuir a Lula os obstáculos enfrentados seria simplificação. Deve-se levar em conta um outro aspecto: há um limite para a transferência de votos. Um mergulho na história recente mostra que a onda bolsonarista que marcou 2018 foi forte o suficiente para alçar ao poder sete candidatos ao governo que corriam junto com Jair Bolsonaro, porém não impediu que figuras mais à esquerda se fixassem no Nordeste nem que tradicionais partidos não alinhados com o atual presidente saíssem vitoriosos em oito estados.
Chama atenção, porém, um componente político, agora, que ajuda a explicar a discrepância entre os números de Lula e os de seus aliados (veja o quadro). Ele precisa diversificar o leque de apoios como nunca, uma vez que tem do outro lado do ringue um candidato forte — Bolsonaro —, e ainda briga contra um sentimento anti-PT incrustado em uma parcela da população. E, para completar, tenta fechar a eleição no primeiro turno. Ou seja: negociar parcerias amplas é muito mais importante que entrar em pendengas locais. “Lula necessita de mais apoio do que já precisou no passado e tem evitado se indispor nos planos estaduais”, afirma a cientista política Nara Pavão.
Segundo maior colégio eleitoral do Brasil, Minas Gerais é um bom laboratório para entender o xadrez das influências do ex-presidente. Lá, ele lidera a disputa com 46 pontos porcentuais, 17 a mais que seu aliado, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), que trabalha para ascender ao Palácio Tiradentes. Ao longo de praticamente toda a campanha, Lula fez vista grossa ao “Lulema”, voto que une a opção por ele no âmbito nacional com a escolha pelo governador Romeu Zema (Novo). Puxado pela avalanche bolsonarista em 2018, Zema, embora tente se descolar da desgastada imagem de Bolsonaro, segue no páreo com seu endosso.
O fato é que Kalil patinava nas pesquisas até que, bem na reta final, Lula intensificou a presença no estado-chave e resolveu surgir a seu lado em dois comícios, em Montes Claros e Ipatinga. A aparição se revelou decisiva, demonstrando a força da presença de Lula. “Kalil é desconhecido no interior, e Lula levou seu nome para esses rincões”, diz o cientista político Pedro Henrique Marques, integrante do Centro de Estudos do Comportamento Político da UFMG.
A teia da política, no entanto, muitas vezes não permite que o ex-presidente anime o palanque de seus aliados. Um desses espinhosos casos é o Rio de Janeiro, onde, a poucos dias do pleito, Marcelo Freixo (PSB) viu a distância entre ele, em segundo lugar nas pesquisas, e o governador Cláudio Castro (PL), na ponta, se aprofundar. Mesmo assim, Lula não entrou em campo. Em sua busca frenética para expandir o arco de alianças, esteve em solo carioca — só que deu preferência ao prefeito Eduardo Paes (PSD), com quem foi à quadra da escola de samba Portela, abandonando ali o vermelho para abraçar, nas roupas e no palanque, o sugestivo azul da agremiação. Firmou-se então um relevante apoio, festa da qual Freixo, que cultivava esperanças de um comício com o ex-presidente, não participou. Ele saiu da lista de convidados por um conselho de Paes à presidente do PT, Gleisi Hoffmann: “Não adianta pregar para convertido. Para ganhar no primeiro turno, precisa construir uma frente ampla”, disse. A Freixo, sobrou uma reunião a portas fechadas com Lula e uma turma de influenciadores.
Centrar esforços na Região Sudeste, onde reside a maior fatia do eleitorado e a polarização com Bolsonaro é mais aguda, acabou deixando em segundo plano estados que contavam com o ex-presidente para alavancar candidaturas, muitas no Nordeste. Em Pernambuco, onde o PSB pôs à mesa o nome de Danilo Cabral ao governo como condição para lançar Geraldo Alckmin a vice na chapa presidencial, Lula fez um único comício — em julho, antes de a campanha dar a largada. À deriva, Cabral passou todo o tempo sob o risco de nem mesmo chegar ao segundo turno, enquanto Marília Arraes (Solidariedade) encabeçava as aferições, grudando por conta própria sua imagem à de Lula. Figurões do PSB imploraram por um novo ato com ele, mas o máximo que conseguiram foi um encontro em São Paulo, onde gravaram mensagens de apoio em série para serem veiculadas no horário eleitoral. Também no Rio Grande do Sul o candidato petista, Edegar Pretto, estacionou na rabeira, sempre num patamar de 10%, atrás de Onyx Lorenzoni (PL) e Eduardo Leite (PSDB). “Desde sempre sabíamos que a prioridade do partido era a eleição presidencial, é a vida”, conforma-se Mari Perusso, coordenadora da campanha de Pretto.
É inquestionável, contudo, a força de Lula, mesmo distante. Com seu ótimo desempenho nas pesquisas às vésperas do primeiro turno, alguns candidatos, mesmo sem tê-lo a tiracolo, se beneficiaram. Na Bahia, o petista Jerônimo Rodrigues avançou 17 pontos em um mês e, de repente, deixou a anêmica terceira posição que o perseguia. É bom lembrar que ainda pesa a seu favor o fato de ACM Neto (União Brasil), o líder nas pesquisas, ter arranjado um problemão ao declarar-se pardo para a Justiça Eleitoral e se enrolar nas explicações. “Lula faz diferença mesmo sem estar presente”, afirma o petista Rui Costa, atual governador do estado. Outra virada transcorre no Ceará: no reduto do presidenciável Ciro Gomes, o candidato lançado por ele foi ultrapassado recentemente pelo petista Elmano de Freitas, subitamente embolado na linha de frente com o bolsonarista Capitão Wagner (União Brasil). No cenário em que a eleição presidencial se encerra no primeiro turno, como sonha o PT, a expectativa geral é que o ex-presidente se torne o cabo eleitoral que os candidatos tanto almejam. Por enquanto, Lula vem deixando um gostinho de quero mais.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809