Aquela que é considerada a maior fortaleza de Sergio Moro (Podemos) na disputa pela Presidência da República tem se mostrado também a sua maior fraqueza. A pose de herói anticorrupção, de agente implacável contra políticos fora da lei e a cara de poucos amigos para conchavos que vem dos tempos na magistratura estão gerando um movimento capaz de implodir no nascedouro os planos do ex-juiz. Sem a toga e ainda se adaptando a um figurino que ele um dia jurou não usar, Moro está descobrindo que a vida na política não é tão fácil como quando ele tinha a prerrogativa de mandar e os outros obedecerem. Causa estranheza entre seus novos colegas, por exemplo, a resistência do candidato em se encontrar com lideranças cujo passado ele considera desabonador e, em alguns casos, até as selfies de Moro com os correligionários são reguladas, por receio dele de aparecer ao lado de quem não tem a ficha limpa. A postura tem ajudado a criar desconfiança dentro de seu partido e a ampliar o rol de dificuldades que a sua candidatura enfrenta.
A falta de traquejo e a indisponibilidade para fotos poderiam até ser relevadas se o ex-ministro estivesse em uma confortável posição na disputa. Mas isso não está ocorrendo. Quatro meses depois de lançar sua pré-candidatura, Moro ainda não decolou como se esperava. Apesar da expectativa entre os parlamentares de sua sigla de que seria capaz de superar o patamar de 15% das intenções de voto até março, ele não consegue ficar acima de dois dígitos. De acordo com o agregador de pesquisas de VEJA, que leva em consideração a média de cinco institutos, ele está estacionado na casa dos 8% desde que entrou na corrida eleitoral e permanece longe dos principais adversários, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Para piorar, tem a terceira maior rejeição entre os candidatos.
O baixo desempenho agrava o outro ponto de discórdia dentro do Podemos: a falta de dinheiro. Caiu mal entre os políticos do partido com mandato a lista de exigências que Moro apresentou para a sua campanha, como assessorias jurídicas e de marketing escolhidas pelo presidenciável. Feitas as contas, os parlamentares chegaram à cifra de 60 milhões de reais. O partido sinalizou que Moro poderia ter 20 milhões, muito pouco para enfrentar campanhas que devem ter uma grande estrutura, como as de Lula e Bolsonaro. Para se ter uma ideia, estima-se que o Podemos terá disponíveis cerca de 229 milhões de reais para a disputa toda, somando os fundos Partidário e Eleitoral. A cifra é pouco perto do que irão receber o PT (594 milhões de reais), o MDB (417 milhões de reais) e o PSDB (378 milhões). O União Brasil, que ainda não tem candidato, pode ter quase 1 bilhão de reais disponível, assim como a frente do Centrão (PP, PL e Republicanos) que irá apoiar Bolsonaro.
A conjunção dos fatores acendeu o sinal de alerta. Metade da bancada do Podemos, de onze deputados, já olha para a janela partidária, que está aberta até o dia 1º de abril, como uma chance de buscar uma melhor oportunidade para renovar o mandato por meio de outra legenda. Além da verba para a campanha, Moro é considerado um empecilho para a formação de chapas nos estados e uma má companhia na campanha de quem espera atrair votos de eleitores que preferem Lula ou Bolsonaro. Nessa debandada, são dadas como certas as saídas do vice-líder do governo José Medeiros (MT), que irá se manter leal ao capitão, e João Carlos Bacelar (BA), que tem atuação mais à centro-esquerda e uma base eleitoral amplamente favorável ao candidato petista.
Os sinais de alerta também partem do principal reduto do ex-juiz: no Paraná, domicílio eleitoral de Moro, o Podemos perdeu o presidente Cesar Silvestri Filho para o PSDB, que concorrerá ao governo do estado e formará um palanque para João Doria (PSDB). Embora integre a base de apoio do governador Ratinho Junior, o Podemos viu crescer a pressão do PP no estado, comandado por Ricardo Barros, líder de Bolsonaro na Câmara, em busca de uma aliança que garanta o apoio do governador ao presidente — que não admite a hipótese de dividir o palanque com o ex-juiz, de quem se tornou desafeto. Para não deixar Moro sozinho, o partido pode lançar um candidato próprio caso naufrague a coligação com Ratinho.
O abandono dos parlamentares do Podemos à candidatura de Moro pode ser medido nas redes sociais. São raros os casos em que os políticos propagandeiam o nome do candidato. Bacelar, por exemplo, fez mais de uma centena de posts no Twitter ao longo de fevereiro — citando Lula, Alckmin, Doria e criticando Bolsonaro —, mas só um sobre Moro. O último post do líder da bancada, Igor Timo (MG), de apoio ao pré-candidato do partido foi feito em dezembro — a mesma data em que José Nelto (GO) se manifestou pela última vez. Léo Moraes (RO), Roberto de Lucena (SP) e Rodrigo Coelho (SC) não citaram o ex-juiz na rede social nos últimos meses. José Medeiros reitera seu apoio a Bolsonaro e Diego Garcia (PR) chamou Moro de “mamateiro”.
Outro desafio é o estreitamento das possibilidades para buscar alianças. Além da baixa intenção de votos, o candidato do Podemos enfrenta a antipatia de boa parte da classe política, que quer distância do ex-juiz, cuja atuação na Lava-Jato teve o efeito de criminalizar a política tradicional. Foram as resistências de caciques do União Brasil que esfriaram as conversas para uma composição em torno de Moro — o partido agora mantém conversas com MDB e PSDB (veja a reportagem na pág. 46). Apesar disso, Moro toca a campanha em frente dizendo ao eleitorado que não representa a corrupção do bolsonarismo (rachadinha) nem do petismo (desvios na Petrobras), mas é incerto quanto isso pode ajudar a alavancar a sua candidatura.
Há, no entanto, em setores do Podemos a tentativa de manter viva a chama de Moro. As maiores demonstrações do apoio vêm do Senado, onde o partido tem nove parlamentares e cuja bancada tem feito sinalizações públicas de apoio. A voz mais ativa é a do senador Alvaro Dias (PR), principal fiador da chegada de Moro ao Podemos e de sua candidatura. Ele minimiza, inclusive, a falta de bons resultados nas pesquisas. “É muito cedo para qualquer previsão. Boa parte do eleitorado de centro que não quer Lula nem Bolsonaro está em compasso de espera”, afirma. A presidente do Podemos, a deputada Renata Abreu (SP), tenta aplacar as preocupações com a garantia de que o dinheiro será suficiente para campanhas competitivas. “Eleição não se vence só com dinheiro, mas com estratégia. Uma boa chapa vale mais que o Fundo Eleitoral”, diz a parlamentar.
O inferno astral de Moro se espraia para fora da política e vem de algum tempo. Sua imagem de herói da Lava-Jato começou a ser arranhada já em meados de 2019, quando a divulgação de diálogos do então juiz com a força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba pôs em xeque a sua imparcialidade na Lava-Jato e, tempos depois, culminou com a anulação de suas decisões e a declaração de imparcialidade pelo STF na condução dos processos contra o hoje seu adversário eleitoral, Lula. No fim do ano passado, começou a enfrentar também as crescentes suspeitas a respeito de seu contrato com a consultoria americana Alvarez & Marsal, que atua na recuperação judicial de empresas afetadas por suas decisões na operação. A imagem de probidade ganhou um novo arranhão com a investigação que tramita no Tribunal de Contas da União. A consultoria, que recebeu cerca de 40 milhões de reais de empresas condenadas na Lava-Jato, teve Moro como empregado quando ele deixou o Ministério da Justiça, em 2020. Moro já veio a público declarar quanto recebeu da empresa (3,7 milhões de reais em um ano de serviço) e reafirmou, com apoio da consultoria, que não atuava em processos de empresas envolvidas na Lava-Jato. Mas o caso continua rendendo polêmica. O subprocurador Lucas Rocha Furtado pediu o bloqueio dos bens do pré-candidato e o vice-presidente da corte, Bruno Dantas, requereu à Procuradoria-Geral da República o aprofundamento das investigações.
Enquanto trabalha para superar as imensas dificuldades que se apresentam à sua empreitada presidencial, Moro também tem pela frente o desafio de calibrar o seu discurso para além do combate à corrupção. Se a cantilena moralizante ajudou a eleger Bolsonaro em 2018, o assunto já não é mais uma prioridade para os eleitores. Segundo pesquisa Quaest de fevereiro, a corrupção foi citada como principal problema do país por 11% dos entrevistados, atrás de economia, saúde e questões sociais. Se quiser se mostrar competitivo, Moro terá de apresentar boas propostas para resolver os urgentes problemas de desemprego e inflação, assuntos com os quais visivelmente ainda não tem muita familiaridade. Isso somado ao fogo amigo dentro do Podemos contra sua candidatura, não são poucas as adversidades a ser superadas até outubro.
Com reportagem de Diogo Magri
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779