O general Carlos Alberto dos Santos Cruz tem um perfil diferente dos militares que ocupam ou ocuparam postos importantes no governo. Entre janeiro e junho de 2019, de terno, ele chefiou a Secretaria de Governo, ministério encarregado à época da comunicação e da coordenação de parcerias com a iniciativa privada em projetos de infraestrutura. Antes disso, de farda, ele comandou uma missão de paz da ONU na República Democrática do Congo. Viu de perto o que há de mais selvagem na natureza humana. A experiência no Planalto, como se sabe, não foi bem-sucedida. Santos Cruz se envolveu em disputas de poder com a chamada ala ideológica, teve atritos com Carlos, o filho Zero Dois de Jair Bolsonaro, e acabou demitido. Desde então, o general, conhecido pela discrição, vem mudando radicalmente de postura. Sem farda nem terno, se embrenhou numa guerra em que ele se coloca como um dos mais ferrenhos críticos do presidente da República.
Santos Cruz foi demitido depois que circulou pelas redes sociais uma mensagem em que ele criticava o presidente da República e seus filhos. A postagem, descobriu depois a Polícia Federal, era falsa, mas o presidente não voltou atrás da decisão de afastar o ministro. Hoje, na reserva, o general usa a mesma trincheira virtual que o derrubou para atacar, com a diferença de que os petardos agora são reais. Três dias antes das eleições municipais, por exemplo, ele sentou-se à frente do computador e escreveu um comentário virulento sobre uma declaração de Bolsonaro criticando quem defendia novas medidas de isolamento social. “O Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra os extremismos e corrupção. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito”, postou o general, sem fazer referência direta ao presidente. A publicação alcançou quase 40 000 curtidas. E não foi a primeira. O general tem usado as redes sociais para, sempre que pode, alfinetar o governo.
Em entrevista a VEJA, Santos Cruz explica o motivo de ter se transformado em um dos principais críticos do presidente Bolsonaro. “Alguém tem de dizer: ‘Ei, para de falar bobagem e governa’ ”, explica. “Quando você tem problemas de desempenho, tem de substituir por um show. Mas você acha que o povo brasileiro vai aguentar quatro anos nesse ritmo? O pessoal já está por aqui, o povo cansa.” Para o general, o atual governo virou um “PT verde-amarelo” e instaurou o “comunismo de direita” no Brasil. “Todo regime comunista totalitário divide para facilitar a manipulação. Depois, você ataca pessoas, não ideias. É um assassinato de reputações: todas as pessoas de que você não gosta não prestam. Temos ainda o culto à personalidade: é o mito, o messias, o cara designado por Deus. Isso tudo é uma técnica que quem consagrou foi o sistema totalitário, foi o comunismo. É o contrário de democracia”, afirma.
As críticas pesadas do general não poupam os colegas de farda que hoje estão no governo. De acordo com o ex-ministro, não passa de desculpa esfarrapada o argumento de que os militares estão cumprindo uma “missão”, como costuma ser repetido entre os fardados do alto escalão. “Missão de quem? Divina? Há muitas distorções, não tem ninguém com missão nenhuma. Muita gente se encanta, né?”, cutuca o general. Autocrítica? Não. A entrada de Santos Cruz no governo teria seguido outra lógica. Ele conta que estava em Bangladesh quando foi convidado pelo presidente recém-eleito para integrar o governo. Acreditava que era um bom momento para mudanças. “Na campanha foi dito tudo o que o povo queria ouvir: não iria ter reeleição, iriam acabar com a corrupção e com o Centrão. Agora, o presidente está governando para a reeleição dele desde o primeiro dia, não tem nenhum plano de combate à corrupção e os cargos foram distribuídos para o Centrão administrar melhor o dinheiro público”, ironiza.
O discurso do general despertou o interesse de partidos políticos. Santos Cruz já foi sondado para se filiar a quatro legendas e há propostas para que ele se candidate ao Senado e até ao governo do Distrito Federal — neste momento, ele nega que vá entrar na política, mas não descarta os planos para o futuro. Ele também tem feito dobradinhas virtuais com o ex-ministro Sergio Moro, em quem aposta as fichas para presidente da República em 2022. Na última segunda-feira, 16, Moro elogiou o general. “(Santos Cruz) É muito mais corajoso do que aqueles que usam as redes para atacar de longe a honra de pessoas do bem e das Forças Armadas”. Após a publicação, o ex-ministro da Justiça foi alvo de xingamentos. O general dá de ombros: “O Bolsonaro, os filhos, os amiguinhos, essa turma da internet, são um bando de oportunistas que pode acabar criando um sentimento antidireita”, disse ele. A guerra de verdade ainda nem começou.
Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714