“Aqui somos totalmente informais”, avisou Steve Bannon, sentado na ponta da mesa de jantar, enquanto pelo menos cinco funcionários vestidos de preto serviam água e vinho aos presentes e substituíam os pratos de salada pelo menu principal. O convidado de honra do jantar oferecido pelo ex-estrategista de Donald Trump na última sexta-feira à noite, 18, em Washington, era o brasileiro Olavo de Carvalho. Os dois se conheceram um dia antes, na Virgínia, quando o americano decidiu visitar aquele que dá suporte ideológico ao governo de Jair Bolsonaro, do qual é um entusiasta.
Curioso sobre o Brasil, Bannon abriu as portas da “embaixada”, como chama a casa em que vive numa rua atrás da Suprema Corte americana, a doze pessoas. A maior parte era de acompanhantes do próprio brasileiro. Ele aproveitou que Olavo de Carvalho, que mora a cerca de três horas dali, já estava na capital dos EUA, convidado por integrantes do Departamento de Estado americano para uma conversa off the records durante a tarde. O jornal O Estado de S. Paulo acompanhou o encontro.
O grupo de Olavo se mostrava entusiasmado por ter sido recebido no sétimo andar do edifício do Departamento de Estado, considerado o das altas autoridades da diplomacia americana. De acordo com os participantes, os americanos concordaram “genuinamente” com o que o brasileiro falou. Bannon disse que isso era um sinal de mudança, pois o time de América Latina do Departamento de Estado, durante a administração Obama, era o setor do governo mais “tolerante” com o “marxismo cultural”.
A aproximação com Olavo já era ensaiada por Bannon há alguns meses, desde que ele se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ainda no período de campanha eleitoral. Steve Bannon esteve por trás da estratégia de campanha de Trump e da retórica nacionalista que ajudou o republicano a chegar à Casa Branca. Nos últimos dois anos, ele tem fomentado líderes e movimentos nacionalistas e de populismo de direita pelo mundo.
O americano tece elogios ao vice-premiê da Itália e ministro do Interior, Matteo Salvini, e ao primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, faces do novo populismo nacionalista europeu, ambos acusados de xenofobia. Apesar de não ter trabalhado na campanha de Bolsonaro, o estrategista americano não esconde o entusiasmo com o presidente brasileiro. Bannon também integrou o conselho da Cambridge Analytica, a consultoria acusada de acessar e usar indevidamente dados de milhares de usuários do Facebook para disseminar mensagens que ajudaram Trump a se eleger em 2016.
‘O cara de Chicago’
No jantar, Bannon, como se entrevistasse Olavo de Carvalho, queria saber dos rumos do governo Bolsonaro e transparecia uma preocupação com quanto o “cara de Chicago” pode atrapalhar o avanço de uma agenda nacionalista no país. O cara é o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Os planos de privatização de Guedes, que é oriundo da escola neoliberal do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, chocam com pontos defendidos por Bannon. Uma das fricções é a relação do Brasil com a China, criticada abertamente pelo filósofo brasileiro e por Bolsonaro. O presidente já defendeu em alguns momentos a tese de que os chineses estão “comprando o Brasil”.
Para falar sobre o Brasil, Olavo de Carvalho se reveza com Gerald Brant, executivo do mercado financeiro em Nova York, responsável pela ponte com Bannon. Brant diz, como alguém que atua no setor, que a Bolsa de Valores tem reagido bem ao governo eleito: “O mercado ama o Bolsonaro”.
Bannon rebate: “O mercado financeiro ama o capitão Bolsonaro, mas eles amam mais a Escola de Chicago”, e pergunta se Olavo conseguiria exercer influência sobre o ministro. O filósofo faz sinal negativo com a cabeça. Ao ouvir que Bolsonaro é um patriota e saber do slogan de governo, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bannon avalia: “Eu amei isso, amei isso”.
Influência
Olavo de Carvalho, que rejeita os rótulos de “ideólogo” ou “guru” do governo Bolsonaro, mostra no jantar a interlocução que tem com o novo governo e escuta quieto quando um de seus filhos ou Gerald Brant falam sobre os cargos no governo federal ocupados por “amigos” ou ex-discípulos do filósofo. Entre eles, o do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um dos principais seguidores do pensamento de Olavo no Planalto. “Ele é um sonho que se tornou realidade”, define Brant, ao explicar para Bannon que o ministro vê Trump como um ponto de “salvação” do Ocidente.
Durante o jantar, eles discutiram sobre as divergências dentro do governo. Para o grupo, as críticas internas ao pilar ideológico é criada pela imprensa que, na opinião deles, “tenta criar intriga todos os dias”.
Imprensa
Bannon já esteve à frente do Breitbart News, um site considerado a voz da ultradireita americana, e critica a imprensa tradicional. Ele não pergunta como é a cobertura jornalística feita no Brasil antes de partir do pressuposto de que a mídia é contra Bolsonaro, e questiona: “É uma questão de ideologia ou é por que vende mais jornal?”.
Eles emendam a conversa sobre os “riscos” da chegada da CNN ao Brasil. Nos EUA, o canal é crítico a Trump. Bannon é cético sobre o canal ter apenas licenciado o uso da marca sem aplicar diretrizes da CNN americana. Para o ex-estrategista de Trump, a ida ao Brasil é uma tentativa de conter Bolsonaro. Olavo pondera que Bolsonaro pode se decepcionar com a CNN, indicando que o presidente não vê no novo canal uma ameaça.
Filosofia
Na segunda metade do jantar, que durou duas horas e meia, Bannon quis saber o que Olavo de Carvalho ensina e no que consiste a filosofia do brasileiro. Olavo pediu ajuda aos outros para explicar. Quando toma a palavra, critica o fato de as universidades colocarem “textos acima dos problemas filosóficos”. “Todos esses filósofos para mim são instrumentos para resolver os problemas filosóficos”, diz, e define sua filosofia como “a unidade do conhecimento na unidade da filosofia, e vice-versa”. Seu filho e um dos alunos comentam: “Perfeito, isso diz tudo”. Silêncio na mesa.
O americano quer saber qual o método de aulas de Olavo, qual o tamanho do seu “pelotão” e como o curso avança. “O curso avança em espiral”, diz Olavo. Bannon insiste que é preciso ter um método para chegar a algum ponto concreto e diz: “É aqui que divergimos”. Olavo responde que o método é “a honestidade intelectual”, confessar o que se sabe e o que não se sabe. “Quando você pergunta o método, me faz pensar o que acontecia antes de alguém definir o que era a palavra método. É isso que o professor nos ensina”, diz um dos alunos.
O Olavo presente à mesa com Bannon é sereno, sem palavrões nem tom de voz elevado nas redes sociais e em entrevistas. Diz que quer fazer com que seus alunos saibam que são inteligentes e que entendam o que está acontecendo. Após idas e vindas e duas xícaras de café, Bannon se distrai com a chegada de outras pessoas à casa. Às 20h30, o anfitrião anuncia que “Olavo e a família terão uma longa viagem a Virgínia” e, assim, declara encerrado o encontro.