Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Duas duplas

As histórias da sucessão no Uruguai e a do filme 'Dois Papas' contêm lições para esta virada de ano

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 4 jun 2024, 15h15 - Publicado em 3 jan 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Duas duplas: uma, Tabaré Vázquez e Luis Alberto Lacalle Pou, atual e futuro presidentes do Uruguai; a outra, os papas Bento XVI e Francisco, tal qual retratados no filme Dois Papas, de Fernando Meirelles. Seus universos são diferentes, um laico, outro religioso, como são diferentes suas formações, aspirações e posturas na vida. Acresce que uma dupla habita o mundo real, enquanto a outra flutua numa ficção, ainda que calcada na vida real. As histórias das duas duplas possuem em comum conter lições para esta virada de ano.

    1. A história uruguaia

    Falou-se em abundância em 2019 do desconcertante Chile, da incurável Argentina, da dilacerada Bolívia, do indomável Equador, da reincidente Colômbia, da trágica Venezuela — e quase nada do Uruguai. Tumultuosas desarmonias seduzem mais que situações de harmonia. A eleição presidencial do Uruguai, em novembro, terminou em empate técnico: pouco mais de 1 ponto porcentual em favor do candidato da direita, Lacalle Pou, sobre o da esquerda, Daniel Martínez. Não houve contestação do resultado, como no Brasil de 2014, nem o clima ferveu como no pós-­eleitoral da Bolívia em 2019. Quando ainda se apuravam os votos, Martínez julgou desnecessário esperar o fim da contagem para reconhecer a derrota e saudar o vencedor.

    A magnanimidade marca as histórias da sucessão no Uruguai e do filme Dois Papas

    Em dezembro, o Uruguai se fez representar na posse do novo presidente argentino, Alberto Fernández, por dois presidentes: o ainda no cargo, Tabaré Vázquez, e o que tomará posse em março, Lacalle. A ocasião serviu-lhes para um show de fraternal entendimento. Quando a repórter de uma TV argentina perguntou a Tabaré como caminhava a transição, ele respondeu: “Já lhe mostro” — e, com um sorriso, virou-se para o canto onde estava Lacalle. A cena pode ser vista na internet. Lacalle dá uma gargalhada e se aproxima. “Isto não estava armado”, avisa. A entrevista segue com os dois juntos. Em outro momento, eles se apresentam lado a lado na fila de cumprimentos a Fernández, e Tabaré, em tratamento de um câncer no pulmão, ampara-se no braço de Lacalle. Assim seguem, braços dados, para espanto das hostes do ódio mundo afora, em direção ao novo presidente argentino.

    Continua após a publicidade

    2. A história vaticana

    O filme de Meirelles e do roteirista Anthony McCarten tem seu ponto central nos diálogos entre o cardeal Jorge Bergoglio, o futuro papa Francisco, e o papa efetivo Bento XVI, durante visita do argentino a Roma. Pena que os diálogos sejam inventados, assim como a visita. Resta que, se não são verdadeiros, são verossímeis, e mostram a grandeza que pode permear a relação entre altos dirigentes com princípios opostos. As discordâncias entre os dois são enfatizadas no filme — Bergoglio a favor de reformas na Igreja, Bento XVI aferrado à tradição. “Deus muda”, diz Bergoglio. “Não muda. Se muda, onde encontrá-­lo?”, protesta Bento XVI. “Durante a caminhada”, responde Bergoglio. Os dois estão caminhando pelos jardins de Castel Gandolfo, o palácio papal de verão. “Talvez o encontremos então ali em frente”, provoca Bento XVI. “E eu o apresentarei a você.”

    Aos poucos, o embate cede a uma troca de ideias. Bento XVI (Anthony Hopkins) está cansado, só e angustiado, notadamente com o escândalo da pedofilia no clero. No ponto culminante da conversa, confidencia que pensa em renunciar. Eles estão agora na Capela Sistina, só os dois, apequenados sob o assombroso céu de Michelangelo. “Como renunciar?!”, protesta Bergoglio (Jonathan Pryce). Papas não renunciam. E renunciar por quê? “Não consigo mais ouvir a voz de Deus”, diz Bento XVI. Ele suspeita não ser o comandante adequado para os desafios da Igreja no momento histórico em que vive. No passo seguinte, já imersos ambos numa relação de afetuosa camaradagem, ele especula que Bergoglio pode ser a pessoa adequada para vencer as dificuldades que não foi capaz de enfrentar.

    3. Conclusões

    A história uruguaia mostra que a polarização, em si, não é o pior. O Uruguai está há décadas polarizado entre esquerda e direita. O pior é a polarização com maus modos. Na história vaticana, nas palavras do roteirista McCarten, “um liberal e um conservador, engajados numa luta de boxe intelectual, acabam descobrindo que não ouvir um ao outro não leva a nada, apenas os afunda em seus próprios preconceitos”. As duas histórias desaguam em desprendimento e magnanimidade. O Bento XVI do filme até sacrifica seus princípios ao suspeitá-los em dissintonia com a história.

    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.