A tentativa de construção de uma candidatura competitiva de terceira via para a sucessão presidencial é antiga. Desde 2020, políticos de diferentes partidos conversam sobre a possibilidade de apoiar um nome de centro com o objetivo de romper a polarização entre Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT). Até agora, os esforços não surtiram efeito, e vários dos balões de ensaio apresentados ao eleitor abandonaram a disputa antes mesmo de ela começar oficialmente. A lista de desistência é eclética e reúne, por exemplo, o apresentador Luciano Huck, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o jornalista José Luiz Datena e o ex-ministro Henrique Mandetta. Todos sofreram com problemas que perduram e afligem os postulantes da terceira via que continuam no páreo, como a baixa intenção de voto e a dificuldade de um acordo que permita que apenas um concorrente represente o grupo, recebendo o apoio dos demais. Por enquanto, ninguém quer abrir mão da candidatura para ninguém, apesar de todos estarem na rabeira das pesquisas.
Com a consolidação de Lula e Bolsonaro na condição de favoritos, representantes do centro intensificaram as conversas a fim de, pelo menos, passar a impressão de que não desistiram de selar uma aliança. Expoentes desse grupo, PSDB, MDB e União Brasil anunciaram que trabalharão juntos para construir uma candidatura única ao Palácio do Planalto, que seria anunciada no meio do ano. O pré-candidato tucano é o governador João Doria, que marcou 2% de intenções de voto na pesquisa da Quaest divulgada na quarta-feira 16. A postulante do MDB é a senadora Simone Tebet, que registrou 1%. O União Brasil não tem um nome na disputa, mas é cobiçado por diferentes candidatos, como o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), que aparece com 7%, empatado com Ciro Gomes (PDT).
Nos discursos públicos, impera a promessa de parceria na terceira via, mas na prática é cada um por si. Doria e Moro gostariam de ter Simone como vice, mas a senadora descarta tal possibilidade. Cada um deles acredita que o outro será obrigado a abandonar a disputa, seja por vontade própria, seja por força dos fatos. A depuração no centro, que começou com a sucessão de desistências, ocorrerá de qualquer jeito, esperam os políticos envolvidos nas negociações. A janela para isso, no entanto, parece estar se fechando. A Quaest perguntou aos entrevistados quem eles gostariam que vencesse a eleição presidencial. Do total, 44% optaram por Lula e 26%, por Bolsonaro, enquanto 25% disseram nem um nem outro. Foi a primeira vez que a turma dos “nem-nem”, que já atingiu 31%, ficou atrás da do ex-capitão. “A expectativa de que haverá uma terceira via fora da polarização Lula e Bolsonaro está cada vez menor”, diz o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. Ele acrescentou, referindo-se à recuperação tanto da avaliação positiva do governo quanto das intenções de voto do presidente: “Esse retorno dos bolsonaristas fortalece a tese de que teremos uma eleição polarizada entre Lula (que continua forte) e Bolsonaro (que ganhou musculatura)”.
Ainda falta muito para a eleição, mas o panorama hoje para o centro é devastador. Somados, os postulantes da terceira via — Moro, Doria, Simone, Eduardo Leite, o mais novo balão de ensaio, e Felipe d’Avila (Novo) — mal ultrapassam os 10% no levantamento mais recente. “Se não tivermos uma terceira via, vamos seguir com a polarização para os próximos quatro anos, e isso é preocupante para o país”, diz Baleia Rossi, presidente do MDB. “Cada partido trabalhará o seu nome até junho. O ideal é que haja união antes. Temos confiança em que, pelo trabalho realizado de mídia e visita aos Estados, Simone vai ganhar musculatura e ser competitiva”, acrescenta. No último dia 13, Baleia Rossi se reuniu com Doria e o presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar, para tentar manter viva a chance de uma aliança. Anfitrião do encontro, o tucano acha que será o escolhido pelo grupo porque comanda São Paulo, a maior unidade da federação, e porque costurou no estado uma aliança entre PSDB, União Brasil e MDB para a disputa do governo paulista.
Obstinado, Doria tem dito que não pretende abrir mão da candidatura à Presidência e que o cenário só será definido em junho. Até lá, segundo ele, haverá um movimento natural de decantação e é grande a possibilidade de apenas ele e Moro restarem no páreo. O governador e o ex-juiz, então, entrariam num entendimento, com um abrindo mão para o outro. Essa decisão levaria em conta uma série de fatores, como a colocação de cada um nas pesquisas e os apoios políticos que cada um conseguiu fechar. Doria está certo de que levará vantagem diante da notória aversão de caciques partidários a Moro, em razão do trabalho do ex-juiz na Operação Lava-Jato. “Até junho haverá um processo de decantação. Precisamos unir o país”, afirma o governador. No MDB, a aliança com União Brasil e PSDB não é vista como a alternativa mais provável. Boa parte da velha guarda do partido quer apoiar Lula, sobretudo os caciques do Nordeste. Políticos da Região Sul preferem Bolsonaro. Já na direção partidária, há quem defenda a tese de que, se ninguém do centro despontar nas pesquisas, a candidatura de Simone Tebet deve ser mantida, porque renovaria a imagem da legenda.
Simone teria pelo menos duas facilidades em termos eleitorais. Sua campanha poderia ser financiada com os 30% dos fundos Partidário e Eleitoral que têm obrigatoriamente de ser destinados às mulheres. Além disso, a senadora ostenta baixa rejeição, o que lhe permite, em tese, crescer com mais facilidade. Sua rejeição hoje é de 19%, muito menor do que a de Moro (62%) e a de Doria (60%). A situação do ex-juiz não é fácil. Seus aliados dizem que até integrantes do Podemos estão fazendo corpo mole para ajudá-lo, especialmente candidatos em Goiás, Mato Grosso e Espírito Santo, que resistem a fechar as portas para Bolsonaro. A estrutura do partido, que conta com poucos recursos e pouco tempo de propaganda na TV, também preocupa Moro, que não descarta trocar a legenda pelo União Brasil a fim de impulsionar a sua candidatura. Há vários obstáculos para essa mudança, inclusive o temor de Moro de que, mais para a frente, o União rife a sua candidatura.
“Há uma conversa no sentido de ter uma candidatura única entre vários partidos. Não sabemos se isso vai evoluir, mas há uma expectativa de que sim”, disse o ex-juiz na terça-feira 15. Moro esperava estar a esta altura com dois dígitos nas pesquisas e consolidado na terceira colocação na corrida presidencial. Como sua candidatura não deslanchou, apoiadores passaram a desenhar outros cenários. Dois juristas que coordenam parte da plataforma da pré-campanha chegaram à conclusão de que talvez seja o caso de Moro abrir mão do projeto presidencial e disputar uma vaga no Legislativo. Ele, por enquanto, resiste — e, assim como Doria, Tebet e outros, tentará empurrar essa decisão para mais adiante. A questão é o tempo. “Eles precisam se agrupar logo. Se não se agruparem, lá na frente serão engolidos”, diz o deputado Delegado Waldir (União-GO). Não é tarefa fácil. Será necessária uma extraordinária habilidade política, combinada com uma dose cavalar de magnanimidade, para acomodar interesses tão distintos em nome de um objetivo maior.
Fora do páreo
Os quatro candidatos que desistiram antes mesmo de começar a pré-campanha
Luciano Huck
Sem partido, o apresentador de televisão foi o primeiro dos pré-candidatos a sair da disputa
Rodrigo Pacheco
Presidente do Congresso, o senador passou seis meses tentando se viabilizar, mas não conseguiu
Alessandro Vieira
O senador se anunciou como pré-candidato pelo Cidadania, mas, sem apoio, deixou o partido
José Luiz Datena
O jornalista chegou a atingir 7% das intenções de voto, mas optou por concorrer a uma vaga no Senado
Colaboraram Laryssa Borges e Ricardo Chapola
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781