A sucessão estadual na Bahia tem ao menos dois ingredientes que a deixam entre as mais interessantes deste ano. Primeiro, colocará à prova os quase dezesseis anos de governos petistas no estado, a segunda maior hegemonia partidária no país, superada apenas pelos 28 anos de PSDB em São Paulo. Segundo, testará o cacife eleitoral de seu principal adversário, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, herdeiro político de Antonio Carlos Magalhães (1927-2007), que por anos comandou com mão de ferro a política local. Sua campanha vai se apoiar em um tripé: as referências ao avô, as críticas ao PT e propostas de governo. “É no exemplo de ACM que eu encontro a certeza de que a Bahia pode muito mais”, disse já no lançamento de sua candidatura, no fim de 2021. E disparou críticas aos rivais. “Depois de quinze anos de governos petistas, o legado que temos é este: o pior ensino médio público do país e a liderança no ranking de homicídios. Somos campeões da violência e lanterninhas na educação”, completou.
Apesar de liderar as pesquisas com taxas em torno de 50%, ACM Neto terá uma dura disputa pela frente porque o carlismo vive raro momento de sua história: no tabuleiro das alianças, está em inferioridade diante da ampla coalizão governista comandada pelo PT (ela inclui catorze partidos, num arco que vai até o Centrão) e sendo obrigado a manter distância da outra corrente majoritária da corrida eleitoral nacional, o bolsonarismo. O grupo que está no poder estadual terá o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem o voto de 50,4% dos baianos, segundo o Paraná Pesquisas. Por outro lado, ACM Neto, cacique do recém-criado União Brasil, rechaça aproximar-se de Bolsonaro, figura tóxica no estado, onde 66% desaprovam a sua gestão. Além disso, o bolsonarismo mantém na manga a candidatura do ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos).
Com o objetivo de evitar um total isolamento, ACM Neto procura desnacionalizar a campanha. Ele vem dizendo que não é candidato à Presidência e que foi prefeito de Salvador durante os mandatos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Bolsonaro — e que manteve boas relações com todos. Dentro do União Brasil, ACM Neto está no grupo defensor de que os palanques estaduais devem ser formados independentemente das decisões do partido relacionadas à corrida ao Palácio do Planalto. O presidente do partido, Luciano Bivar, fala em abrir mão de uma candidatura própria para preencher o espaço da terceira via na hipótese de um acerto entre União, MDB, PSDB e Podemos. “Interessaria a ACM Neto o surgimento de um candidato competitivo na terceira via, mas isso não tem ocorrido e o deixa em desvantagem. O que resta a ele é transformar o limão em limonada, com uma candidatura solteira para não se indispor com eleitores do campo adversário”, diz o cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, da UFBA.
O principal risco da estratégia é que a polarização nacional acabe dragando as disputas estaduais, deixando a pé aqueles que não estiverem identificados com Bolsonaro ou Lula. Entre os defensores de que o ex-prefeito pode se dar mal nesse caso está o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Um dos coordenadores da campanha à reeleição do pai, Flávio gostaria de ter ACM Neto como aliado na Bahia, ainda mais diante do histórico do PL local de alinhamento ao PT no estado. “Eu pedi votos para Bolsonaro e Rui Costa em 2018”, diz um parlamentar do PL. A postura “neutra” de ACM Neto desperta outro tipo de crítica. João Roma, que já foi aliado, diz que o ex-prefeito trata Bolsonaro como “amante”: quer desfrutar de seus votos sem se ligar a ele.
Do lado adversário, à esquerda, também há ajustes a serem feitos no quebra-cabeça que permita acomodar PT, PSD e PP na chapa majoritária (governador, vice e senador). O caminho foi facilitado após o senador e ex-governador Jaques Wagner (PT), que derrotou o carlismo em 2006, desistir de ser candidato para, ao que tudo indica, dar lugar ao senador Otto Alencar (PSD). O movimento também contempla um esforço de Lula para costurar uma aliança nacional com o partido de Gilberto Kassab. Alencar pode tirar votos de ACM Neto, já que é egresso do carlismo, e contaria com um exército: o PSD é a sigla que mais elegeu prefeitos no estado em 2020 (108) — os aliados PT e PP elegeram, somados, 124. Os próximos movimentos prometem novas emoções na já bastante apimentada disputa baiana.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778