Diálogos do aplicativo Telegram obtidos pelo site The Intercept e publicados pelo jornal Folha de S. Paulo nesta sexta-feira 26 mostram o procurador Deltan Dallagnol conversando com colegas da força-tarefa da Lava Jato sobre uma palestra remunerada que realizou a uma empresa citada em delação premiada da própria operação. Quatro meses depois de participar do evento, ele diz ter tomado conhecimento de que a companhia é investigada e classifica o acontecimento como “um pepino” e “brecha para ataques”, o que o leva a pedir para se afastar do caso.
A companhia em questão é a Neoway, especializada em análise de dados, que é citada em delação premiada de 2016, na qual um operador do MDB, Jorge Luz, diz que atuou em favor da empresa em um projeto de tecnologia da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
Embora a delação seja de 2016, os diálogos mostram que Deltan realizou uma palestra remunerada para a Neoway no início de 2018, ao custo de 33 mil reais. Além de participar do evento, o procurador também tenta marcar uma reunião para que outros membros da força-tarefa conheçam os produtos da marca.
“Caros podem receber a Neoway de bigdata na segunda para apresentar os produtos???? Ou quarta?”, diz Deltan, que acrescenta: “Como fiz um contato bom aqui valeria estar junto. Eles estão considerando fazer de graça. O MP-MG está contratando com inexigibilidade”.
As mensagens são reproduzidas aqui literalmente como aparecem na reprodução do aplicativo Telegram publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, mantendo eventuais erros de grafia.
Os diálogos sugerem que a reunião não foi marcada por falta de datas. Quatro meses depois, em julho de 2018, Deltan diz ter tomado conhecimento da citação à Neoway em delação premiada e reconhece um conflito de interesses.
“Isso é um pepino pra mim. É uma brecha que pode ser usada para me atacar (e a LJ), porque dei palestra remunerada para a Neoway, que vende tecnologia para compliance e due diligence, jamais imaginando que poderia aparecer ou estaria em alguma delação sendo negociada”, explica o procurador em uma conversa.
Ele, então, avalia como proceder se o caso se tornar público e fala em se declarar suspeito para não seguir no caso. “Pensando rapidamente o que provavelmente poderia fazer ou informar: -Não tinha conhecimento, não participei da negociação -assim que tomei, me declarei suspeito e me afastei -a palestra remunerada é autorizada pelo CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] e se deu em contexto de mercado (lançamento de produto de compliance) e por valor de mercado”.
Em outra conversa, Deltan diz para a procuradora Laura Tessler que quer “distância” da delação que cita a companhia. Procurado pela reportagem da Folha de S. Paulo, ele afirma que, antes de dar palestra remunerada para a empresa Neoway, não teve conhecimento de que a empresa já havia sido citada na Lava Jato.
“Não reconheço a autenticidade e a integridade dessas mensagens, mas o que posso afirmar, e é fato, é que eu participava de centenas de grupos de mensagens, assim como estou incluído em mais de mil processos da Lava Jato. Esse fato não me faz conhecer o teor de cada um desses processos”, declara o magistrado.