O ex-ministro Gilberto Carvalho assumiu o comando da discreta Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária, do Ministério do Trabalho — um cargo subalterno, especialmente para alguém como ele, que já deu as cartas no Palácio do Planalto nos dois primeiros mandatos do PT. Nesta entrevista a VEJA, o ex-ministro fala sobre essa estratégia, da “angústia” do presidente em querer apresentar resultados o mais rápido possível e avalia os primeiros três meses do governo.
Por que vários ex-ministros do presidente Lula hoje ocupam cargos de segundo escalão, como o senhor, Nelson Barbosa, Fernando Pimentel, Miriam Belchior?… Isso foi uma renovação natural de quadros. Nós não podíamos repetir o governo com o mesmo time. Isso foi um dos princípios que o presidente tinha estabelecido. Lula até brincava: ‘de velho já chega o técnico. Quero jogadores novos’. Isso fazia parte de um processo que todos nós, não só entendemos, como achamos ótimo. Eu mesmo nem vinha para o governo, só aceitei porque o Luiz Marinho (ministro do Trabalho) me chamou na véspera do Natal para uma missão que eu gosto muito, que é a economia solidária.
Como está a relação do senhor com o presidente Lula, o senhor conversa com o presidente de vez em quando? Converso bastante. Eu costumo ir ao Palácio numas folgas depois do almoço, ali, a gente toma um café junto, a gente conversa, a relação continua muito carinhosa. Eu não tenho mais cotidiano com ele, evidentemente, dada a minha função. Estou achando ótimo, aliás, não estar no Palácio, estou cumprindo um papel mais específico. Quando estou no Palácio, nossa relação é muito carinhosa e fraterna.
A primeira missão que o senhor recebeu foi a de participar de um grupo para elaborar propostas de inclusão socioeconômica de catadores de materiais recicláveis. A crise do emprego e a crise econômica levaram o pessoal a buscar trabalho autônomo e uma coisa muito forte é a associação, é a cooperativa. O trabalho é fundamentalmente estimular o crescimento destas formas econômicas. Te dou um exemplo: há uma cooperativa no Ceará que planta algodão orgânico, vende para uma fábrica recuperada de Minas, que exporta o fio para o Rio Grande do Sul, onde outra cooperativa faz a malha e vende em shopping. Economia solidária não é essa coisa de pobre que quer ficar pobre não, é uma disputa de mercado de forma associativa. Vamos buscar qualificação e recursos. Uma das missões minhas é, junto ao BNDES, Banco do Brasil, Caixa, buscar financiamento para as cooperativas, para as iniciativas solidárias.
Por falar em financiamentos, o senhor endossa as críticas do PT ao presidente do Banco Central, em função dos juros altos? Endosso. Eu estava numa posição muito cautelosa até a última reunião (do Copom – Conselho de Política Monetária). Nessa última reunião, ficou escandalosamente evidente que há uma desconfiança, porque o governo fez o dever de casa. A política econômica do ministro Fernando Haddad e do presidente Lula tem se demonstrado com toda a responsabilidade e não havia razão nenhuma mais para não emitir nenhum sinal, por menor que fosse, de afrouxar a questão dos juros. E nós estamos vendo o quanto isso pesa na economia, nas empresas, então eu sou obrigado a endossar sim.
Que balanço o senhor faz destes primeiros 100 dias do governo Lula? Como quem está dentro e está vendo os escombros, eu faço um balanço muito positivo, em função daquilo que nós encontramos no governo. Eu vivi a primeira transição, em 2003. A gente chamava aquilo de ‘herança maldita’, mas essa é a herança maldita de verdade. Eles não só destruíram as políticas públicas, como quebraram as ferramentas, desmontaram tudo, que ainda estamos montando. O presidente Lula tem uma certa angústia de buscar uma velocidade para o governo que é impossível nesses primeiros tempos, muito em função dessa busca de recuperar as estruturas. Os principais projetos sociais estão se recuperando, mas tudo numa velocidade muito aquém do que a gente gostaria, que o próprio Lula quer, em função das dificuldades. E sem falar no orçamento, que é uma piada.