Pobre Rio de Janeiro, onde os chefes de cargos executivos vão caindo um após o outro, em uma espécie de efeito dominó acionado pela corrupção. Cinco governadores foram presos por esse motivo nos últimos quatro anos — Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho, Moreira Franco e Sérgio Cabral (este, condenado a mais de 300 anos). Agora, o estado termina 2020 com governador e prefeito afastados de seus cargos por suspeita de cometerem o mesmo velho pecado da propina. Wilson Witzel (PSC), que assumiu o Palácio Guanabara em 2019, foi obrigado a passar o cargo para o vice em agosto e aguarda o resultado de investigações. Na terça-feira 22, faltando apenas nove dias para terminar seu mandato, foi a vez de o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) ser pego — ele não só foi removido da prefeitura, como teve a prisão preventiva decretada, com outras oito pessoas. Por decisão da Justiça, cumprirá ordem em casa, com tornozeleira.
Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella é apontado como chefe de uma intrincada organização criminosa que cobrava ilegalmente dinheiro de empresários e fornecedores em troca de vantagens em licitações e prioridade nos pagamentos de contratos (este, um empurrãozinho e tanto, em se tratando de um município falido). O Ministério Público do Rio calcula que a quadrilha tenha arrecadado pelo menos 50 milhões de reais com a corrupção, com pleno conhecimento e aprovação do prefeito — 24 pontos do relatório comprovam a ligação de Crivella com o “QG da propina”. “(Ele) autorizava a prática de tais crimes e deles se locupletava”, afirma a desembargadora Rosa Macedo Guita, que determinou as prisões.
A roubalheira teria começado antes mesmo da posse e seu operador principal era o empresário Rafael Alves, homem de confiança do prefeito e irmão do ex-presidente da Riotur Marcelo Alves. Partindo da empresa de turismo do município, os tentáculos do grupo se espalharam por várias secretarias e autarquias. Faz parte da mesma investigação — que abrange corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro — uma “movimentação anormal” de 6 bilhões de reais nas contas da Igreja Universal.
Ao tentar se reeleger este ano, sem sucesso, Crivella contou com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que gravou vídeos e pediu votos para o aliado. Diante da notícia da prisão, o Planalto tratou de pôr distância entre os dois. “É uma questão policial, segue o baile aí, investigação, acabou. Para o governo, não tem impacto nenhum. Não tem nada a ver com a gente”, disse o vice-presidente Hamilton Mourão. Ao chegar à Delegacia Fazendária, para onde foi levado inicialmente, Crivella negou as acusações e afirmou ter sido o prefeito que mais combateu a corrupção no Rio. “Espero que a Justiça seja feita”, declarou. Como seu vice, Fernando Mac Dowell, morreu de infarto há dois anos, o final de mandato na prefeitura será tocado pelo presidente da Câmara dos Vereadores, Jorge Felippe (DEM). Eleger alguém e ver um desconhecido ocupar seu lugar está virando rotina no Rio.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719