A onda conservadora que elegeu o presidente da República em 2018 também abriu espaço para alguns azarões conquistarem governos estaduais. O caso mais emblemático foi o do ex-juiz Wilson Witzel (PSC), um neófito em eleições que venceu a disputa no Rio de Janeiro, o segundo maior colégio eleitoral do país, ao associar sua imagem à do ex-capitão. Em 2019, ao ser empossado, Witzel acreditava que estabeleceria uma parceria privilegiada com a administração federal e salvaria as combalidas contas estaduais. Em 2020, veio o choque de realidade. Ele se tornou desafeto da família presidencial, foi acusado de corrupção e acabou afastado do cargo. Sua derrocada começou depois de se apresentar como pré-candidato ao Palácio do Planalto, mas foi acelerada por denúncias de desvios de recursos públicos em contratos firmados durante a pandemia de Covid-19. Ou seja: Witzel caiu pela suspeita de cometer o crime que mais prometeu combater. As evidências de corrupção contra o ex-governador foram consideradas tão graves que o Ministério Público chegou a pedir a prisão preventiva dele. A Justiça não autorizou. Outros governadores encenaram enredos parecidos.
A Polícia Federal realizou ações para esquadrinhar contratos na área da saúde em estados como Pará e Amazonas, governados, respectivamente, por Helder Barbalho (MDB) e Wilson Lima (PSC). Funcionários graduados do governo paraense, por exemplo, foram presos. Há investigações em andamento em praticamente todas as unidades da federação, e os prejuízos estimados são de 4 bilhões de reais. Carlos Moisés (PSL) chegou a ser afastado do cargo de governador de Santa Catarina, mas conseguiu reverter a decisão. Agora, ele enfrenta um pedido de impeachment em razão de contratos fraudulentos na área da saúde. Os governadores juram inocência e lisura nos processos de contratação. Além disso, costumam alegar que a Polícia Federal se tornou um instrumento de perseguição do governo federal, que bateu de frente com alguns gestores estaduais no debate sobre como conter o avanço da pandemia. Pura balela. O duelo político entre o presidente e alguns governadores de fato existe. Ele só não pode ser usado como desculpa para acobertar falcatruas, exatamente a estratégia que Witzel tentou empregar para justificar sua queda.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719