Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, em outubro de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro disse que, caso eleito, faria uma reforma política para acabar com a possibilidade de reeleição e para diminuir o número de parlamentares em até 20%. Em julho de 2002, o candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva disse que abriria mão de tentar a reeleição caso fosse eleito, mas governou por mais um mandato, elegeu a sucessora e quer voltar mais uma vez — ou duas.
Assim como eles no passado, os presidenciáveis João Doria (PSDB), Sergio Moro (Podemos) e Simone Tebet (MDB) também se posicionam contra a reeleição para presidente. Agora, Bolsonaro se prepara para disputar um segundo mandato. Quem vencer o pleito de 2022 vai comemorar a vitória no aniversário de 25 anos da proposta de emenda constitucional que viabilizou a reeleição para chefes do Executivo, promulgada em 4 de junho de 1997. Naquele ano, os congressistas se inspiraram no modelo americano para eleição presidencial, que permite dois mandatos consecutivos –com a diferença que lá o político não pode concorrer novamente pelo cargo anos depois.
“Um dos objetivos que defendi à época, e ainda defendo, é que o governo no Brasil costuma ter visão de curto prazo. Isso prejudica a implementação de políticas públicas de médio e longo prazo”, diz o ex-deputado Mendonça Filho (UB-PE), autor da proposta. Segundo ele, a iniciativa teve como base incentivar os governantes a formular políticas estruturantes no país, cujos resultados pudessem ser colhidos no próprio mandato. “Em geral, o governo no Brasil tem visão de curto prazo. Isso prejudica a implementação de políticas públicas de médio e longo prazo”, acrescenta.
Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, os três presidentes que concorreram à reeleição, venceram nas urnas. Michel Temer não se candidatou, e Bolsonaro enfrenta altos índices de rejeição a sete meses do pleito —tempo suficiente para reverter o mau humor de parte do eleitorado. Há uma proposta em tramitação na Câmara e outras cinco no Senado para acabar com a reeleição de presidente da República, mas não há por hora interesse da classe política em tratar do tema. “É um quadro sedimentado dentro da realidade política brasileira. Os ciclos políticos de renovação se alongaram”, diz Mendonça Filho.
Mendonça Filho afirma que criou-se o mito de que a possibilidade de reeleição garante automaticamente um mandato consecutivo. “Há cidades e governos que mostram que a reeleição não é automática. Fernando Haddad não foi reeleito prefeito de São Paulo, o Rio Grande do Sul não reelege governador. Não vivemos ainda a experiência de um presidente tentar a reeleição e não conseguir. Vamos viver, como aconteceu nos Estados Unidos”, diz ele, que defende que quem foi presidente duas vezes fique impossibilitado de se candidatar novamente, mesmo depois de alguns anos.
Para o cientista político Bruno Bolognesi, a reeleição acaba dando força para o eleitor, que tem o poder de premiar o bom líder e punir o político ruim, e cita o exemplo de Donald Trump, que perdeu a reeleição nos Estados Unidos. Bolognesi destaca que no sistema presidencialista a força do chefe do Executivo não pode ser desprezada. “Quanto mais forte o presidente, mais fracos são os partidos. E no Brasil os partidos são muito fracos, então, a figura que ocupa a cadeira do presidente tem muita importância. Com partidos enfraquecidos, você tem um instrumento institucional que permite a uma liderança permanecer no poder”, afirma ele, que é coordenador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“O instrumento da alternância de poder é essencial à democracia e o que vimos na história recente do País foram presidentes se mantendo no cargo à custa de ações populistas que depois tiveram como reflexo crises econômico-financeiras no mandato seguinte”, diz a senadora Simone Tebet.
Em um artigo, Moro escreveu que “a reeleição favorece o surgimento de candidatos a caudilhos ou a ditadores”. Para Doria, “na medida em que os governos violentaram a responsabilidade fiscal para recuperar uma popularidade efêmera, a reeleição agravou as dificuldades econômicas do Brasil”. Os ex-presidentes Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso apoiaram a aprovação da regra da reeleição, mas hoje se posicionam contra.
“Na época eu estava mais concentrado no pouco tempo, quatro anos, de um mandato para fazer as reformas necessárias. A experiência mostra que há mais desvantagens do que imaginamos em manter pelo tempo de dois mandatos a mesma pessoa no poder”, disse FHC a VEJA. Ele foi o primeiro beneficiado pela possibilidade de concorrer novamente ao Planalto.
Questionado sobre se sua posição seria diferente, caso o atual governo estivesse sendo bem avaliado, FHC respondeu que “talvez”: “Em matéria de tal importância acho melhor pensar na História do que no período em que se requer para realizar as reformas”.
O instrumento da reeleição é por vezes apontado como prejudicial para a democracia porque incentivaria o governante a trabalhar apenas para se manter no poder. “Todo cidadão que assume a Presidência já entra pensando na reeleição e não enfrenta temas fundamentais. Hoje, mais do que nunca, se impõe eliminar a reeleição”, diz Temer.
Então presidente da Câmara quando a proposta foi promulgada, Temer pondera que, por ser uma espécie de plebiscito para avaliar o mandato, a reeleição pode incentivar o chefe do Executivo a fazer um bom governo. “A desvantagem é que todo cidadão que entra como presidente já entra pensando na reeleição e não enfrenta temas fundamentais. Pude enfrentar as reformas trabalhista e previdenciária e o teto de gastos públicos porque não tinha como objetivo a reeleição. Se tivesse, não iria mexer nisso”, afirma.