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Como Deltan Dallagnol tenta salvar na política o legado da Lava-Jato

O ex-chefe da força-tarefa de Curitiba acumula reveses, mas tem ótimas chances de se eleger deputado

Por Rosana Felix
Atualizado em 4 jun 2024, 11h48 - Publicado em 3 jun 2022, 06h00
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  • Como um dos “heróis” da Lava-Jato, Deltan Dallagnol liderou em 2016 uma marcha de manifestantes que entregou ao Congresso 2 milhões de assinaturas em apoio ao projeto das Dez Medidas contra a Corrupção. De lá para cá, viu o pacote ser desfigurado, foi alvejado com críticas pela conduta da força-tarefa, teve parte de seu trabalho anulado pela Justiça, acabou condenado a pagar indenizações e tornou-se alvo de investigações. Ainda assim, o ex-procurador pretende dar sobrevida na política ao legado da operação anticorrupção, ao lado do ex-juiz Sergio Moro, que se perdeu um pouco pelo caminho em sua estreia eleitoral — trocou uma candidatura presidencial pelo Podemos para migrar para o União Brasil, onde talvez tenha de se contentar com uma candidatura a deputado federal por São Paulo.

    Filiado ao Podemos desde dezembro de 2021, os passos de Deltan são menos trôpegos que os de Moro. Mas a bandeira é a mesma, focada no combate à corrupção, um tema quase lateral na atual eleição se comparado a 2018, quando a Lava-Jato vivia o seu auge. Com um ritmo de campanha que vem se acelerando, ele tem viajado pelo Brasil apresentando o Projeto 200+, que busca convencer a sociedade civil a eleger deputados e senadores comprometidos com três pontos: combate à corrupção (com o fim do foro privilegiado e prisão em segunda instância); redução ou extinção do fundo eleitoral; e preparação política para debater assuntos relevantes ao país.

    Intensa, a pregação de Deltan visa a ajudar o Podemos a formar uma grande bancada — hoje é de oito deputados. As perspectivas no Paraná são boas: pesquisas mostram que o ex-procurador tem potencial para se eleger e levar mais um nome ou dois com ele à Câmara. “Ele é caçado pelos conspiradores que querem puni-lo, mas terá resposta positiva nas urnas, com votação espetacular”, acredita o senador Alvaro Dias, presidente do Podemos no estado. Esse, aliás, é o discurso adotado pelo partido: há uma conjuntura de “conspiração e perseguição” contra aqueles que combatem a corrupção.

    A exemplo de Moro, Deltan vem sofrendo com as reviravoltas na Justiça relacionadas à Lava-Jato. O mais recente revés foi a decisão do TCU para que ele devolva 2,8 milhões de reais gastos em diárias pela operação. Nesse caso, Deltan vê uma decisão política do ministro-relator Bruno Dantas por contradizer o parecer técnico da Secretaria de Controle Externo do tribunal. “Vou derrubar isso na Justiça”, diz. Dois meses antes, ele sofrera outro duro golpe, quando o STJ o condenou a indenizar em 75 000 reais o ex-presidente Lula por causa do famoso PowerPoint. O revés, entretanto, serviu para medir o apoio popular ao ex-procurador: ele conseguiu juntar cerca de 500 000 reais com doações espontâneas.

    POLÊMICO - Deltan e o célebre PowerPoint: condenado pelo STJ a indenizar Lula -
    POLÊMICO - Deltan e o célebre PowerPoint: condenado pelo STJ a indenizar Lula – (Rodolfo Buhrer/Fotoarena/.)

    Na pré-campanha, Deltan enfrenta ataques de todos os lados. Além das vozes petistas, nomes de outros partidos miram o ex-procurador, como o ex-governador Beto Richa (PSDB), outro nome forte para deputado federal, que tenta se reerguer politicamente quatro anos após ser preso pela Lava-Jato. Deltan também enfrenta “inimigos íntimos”, como Adriel Gael, diretor-executivo do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União, que acaba de lançar um livro sobre os bastidores da operação, na qual atuou entre 2014 e 2016. A capa é uma foto de Lula, o que já dá o tom da narrativa crítica contra o ex-procurador. Gael relata que via ambições políticas de Deltan e Moro desde o início da operação, e que ela foi organizada para atender a esses anseios.

    Bastante criticado pela atuação às vezes exagerada (alguém lembra do PowerPoint?), Deltan continua afirmando que nunca teve desejo de entrar na política e que assumiu agora esse papel como uma nova frente no combate à corrupção. Para dar corpo ao Projeto 200+, ele tem apostado nos encontros com entidades de classe, associações comerciais, sindicatos rurais e instituições de ensino superior. Para evitar embates, não se manifesta sobre a eleição presidencial — apesar de o alvo preferencial nas redes ser Lula, o esvaziamento das medidas anticorrupção por Bolsonaro já foi alvo de muita crítica.

    Se a pregação de Deltan vai encontrar eco, não se sabe, mas a sua oratória é tida como um ponto forte da candidatura, um diferencial construído em anos de preleções na Igreja Batista. Ele prioriza entrevistas ao vivo a emissoras de rádio, e nas redes sociais adota ora um tom indignado, ora engraçado. Conta com o apoio profissional para as mídias sociais, imprensa e coordenação de campanha. O braço direito nas viagens é Fabio Oliveira, antigo líder do movimento anticorrupção Mude, pré-candidato a deputado estadual pelo Podemos. Outros filiados, como policiais federais, cacifam a legenda no estado para se firmar como o “partido da Lava-Jato”. Acompanhado desses nomes, apoiado por uma base evangélica e integrantes do MPF e do Judiciário, Deltan segue seu caminho rumo ao Congresso, tentando mostrar aos desafetos que a chama anticorrupção não se apagou.

    “Fiz tudo dentro da lei”
    Diante das derrotas sofridas pela Lava-Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol diz que sempre é possível ter feito algo diferente, mas que tem orgulho de ter atuado na operação.

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    Com tantos reveses na Lava-Jato, o senhor teria feito algo diferente? Tenho orgulho de ter participado dessa grande equipe de agentes públicos que, com a ajuda da população, conquistou três coisas inéditas no Brasil: colocou corruptos poderosos atrás das grades, conseguiu recuperar 15 bilhões de reais e revelou o monstro da corrupção brasileira. Sempre dá para fazer algo diferente. Mas olho para trás e vejo que não deixei de fazer nada dentro da lei para que a gente conseguisse avançar contra o sistema político corrupto que ainda governa o nosso país.

    Acha que conseguirá se diferenciar na política? Reconheço que uma pessoa sozinha não vai fazer diferença, vai ser uma voz pregando no deserto. Por isso tenho apoiado de forma muito intensa o Projeto 200+. Não importa quem as pessoas queiram para presidente, se não houver um Congresso bom, ele vai ficar refém de negociata, de fisiologismo, do toma lá e dá cá.

    Como político eleito, o senhor terá direito a foro privilegiado. O que acha disso? Para mim, é ruim. Eu não quero ser julgado pelo STF, não quero ser julgado pelo Gilmar Mendes, não quero ser julgado pelo Ricardo Lewandowski, pelo Dias Toffoli. Eu quero ser julgado por um juiz técnico de primeira instância.

    Publicado em VEJA de 8 de junho de 2022, edição nº 2792

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