Investigada no inquérito dos portos, a Rodrimar usou um de seus terminais para pagar, em 2013, 720.000 reais ao advogado Marco Aurélio de Carvalho, na época amigo do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Hoje, os dois são sócios, e Cardozo é advogado da própria Rodrimar. A VEJA, Carvalho disse que recebeu os valores como pagamento por sua participação nos debates sobre a melhor estratégia jurídica a ser adotada pelo Terminal Pérola, do qual a Rodrimar é sócia, para pedir o reequilíbrio econômico-financeiro de seu contrato. Carvalho afirmou não ter produzido pareceres nem estudos para a empresa, mas garantiu ter contribuído nas conversas sobre o tema.
O Terminal Pérola, que opera uma área de 28.000 metros quadrados no Porto de Santos, apresentou pedido de reequilíbrio econômico-financeiro à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) em setembro de 2015. A missão ficou a cargo de outro escritório de advocacia. Em maio passado, com a Rodrimar já na condição de protagonista do inquérito dos portos, a Antaq rechaçou o pedido de reequilíbrio contratual, que, se aceito, garantiria ao Terminal Pérola uma indenização de 20 milhões de reais ou a prorrogação de seu contrato por mais seis ou nove anos. Em julho, a Antaq também anunciou que a área explorada pelo Terminal Pérola será leiloada em novembro. Se a promessa for cumprida, será o fim de uma longa temporada de favores oficiais à Rodrimar/Pérola, uma vez que, por decisão judicial, a empresa deveria ter saído do Porto de Santos em janeiro de 2017.
O Terminal Pérola era cliente contumaz de advogados bem relacionados. A Polícia Federal já sabe que, entre 2013 e 2014, a empresa pagou 375.000 reais a Flávio Calazans, bacharel em direito que, em depoimento formal, assumiu ser operador de próceres do MDB, usando o seu escritório para repassar propina a políticos. Carvalho rechaça de forma veemente que também tenha realizado esse tipo de serviço. “Sou o maior interessado em que se separe o joio do trigo”, declarou. Esse processo de depuração lhe renderá dor de cabeça. Além do Terminal Pérola, Marco Aurélio de Carvalho recebeu pagamentos do grupo J&F: cerca de 1,5 milhão de reais divididos em 18 parcelas. Em acordo de delação premiada, o ex-executivo da J&F Ricardo Saud declarou que o dinheiro foi repassado sem qualquer contrapartida.
“Tal escritório não prestou serviços de consultoria jurídica à J&F, sendo que foi contratado apenas por ter o advogado Marco Aurélio de Carvalho garantido a Ricardo Saud que tinha proximidade com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e poderia ajudar muito em demandas da J&F na área de atuação do ministro”, diz um dos anexos complementares do delator. Saud ainda registrou: “Não houve nenhum ajuste com a J&F que sugerisse que os recursos seriam destinados a José Eduardo Cardozo”. O advogado afirma que Saud mente e assegura ter prestado serviços ao grupo na área tributária.
Quando dos pagamentos a Carvalho, Rodrimar, acionista do Terminal Pérola, e J&F tinham um interesse comum no governo: receber autorização para unificar suas respectivas áreas no Porto de Santos, criando um grande terminal para estocagem e escoamento da produção da Eldorado Celulose, empresa dos irmãos Batista. O chamado “adensamento” das áreas dependia de aval do governo, e Cardozo, como ministro da Justiça, era peça-chave nessa decisão. A J&F pediu ajuda até para o então líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, mas fracassou. A gestão Dilma Rousseff vetou a operação.
O Terminal Pérola, que tem como sócio majoritário a empresa canadense Potash, disse que não comentaria os pagamentos feitos aos advogados Marco Aurélio de Carvalho e Flávio Calazans. A Rodrimar afirmou que, por ser acionista minoritária, não toma decisões em nome da empresa nem participa de seu dia a dia. Não é bem assim. Conforme revelado por VEJA, o dono da Rodrimar, Antonio Celso Grecco, enviou e-mail aos seus sócios internacionais comemorando a edição do decreto dos portos.