A sempre concorrida sala de depoimentos da CPI da Pandemia no Senado estava visivelmente esvaziada na terça-feira 24, data da oitiva do executivo Emanuel Catori, diretor-presidente de uma empresa paranaense que atuava como intermediária na compra de vacinas da fabricante chinesa CanSino. Depois de quatro meses de trabalhos, os parlamentares preferiram prestigiar a sabatina do procurador-geral da República, Augusto Aras, realizada no mesmo horário em uma sala próxima. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), a quem incumbe elaborar a peça final que elencará as descobertas, também tinha outros planos. Ele passou a maior parte da audiência debruçado sobre uma pilha de documentos, fazendo anotações e definindo a estratégia do que, para ele, deve ser o sprint final dos trabalhos.
Faltando poucas semanas para o encerramento da comissão, Calheiros deu ordens para que os últimos esforços de sua equipe sejam concentrados em três frentes de investigação que, segundo ele, podem respingar no senador Flávio Bolsonaro: as apurações que o Supremo Tribunal Federal (STF) conduz contra fake news, a atuação da VTCLog, empresa de logística terceirizada pelo governo para a distribuição de vacinas e que teria dirigentes ligados a amigos de Flávio, e a que considera ser a mais promissora delas, a possível interferência do filho do presidente no dia a dia de hospitais federais no Rio de Janeiro. O próprio Calheiros, porém, mantém certa reserva em relação à eficácia das investidas, quando confidencia que essa será uma tacada final contra o desafeto.
Nos últimos dois meses, a tentativa da CPI em desvendar casos de corrupção no governo não foi bem-sucedida, embora tenha resultado num enorme desgaste na imagem do governo e do próprio presidente da República. A perspectiva de encontrar uma bala de prata capaz de abater Bolsonaro foi discutida pela primeira vez no gabinete do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), no fim de junho, às vésperas do recesso parlamentar. Naquela ocasião, os senadores haviam ouvido reservadamente do deputado Luis Miranda (DEM-DF) que o presidente fora informado sobre o favorecimento a empresas e possível sobrepreço na compra de vacinas. “Pegamos o governo. Ele vai desmoronar. As outras coisas vão virar titica de galinha”, comemorou Aziz. O caso Covaxin, a que Miranda se referiu, se desdobrou em dezenas de depoimentos, quebras de sigilo fiscal e telefônico de suspeitos e até na prisão de um ex-diretor do Ministério da Saúde.
O problema é que muitas testemunhas, colocadas na condição de investigadas, obtiveram decisões no Supremo Tribunal Federal para permanecer em silêncio. A Corte também considerou abusivas e sem fundamentação legal várias quebras de sigilo que foram aprovadas e ainda revogou a prisão do ex-funcionário da Saúde. “Para muitos dos senadores parecia que seria só apertar dois botões e teríamos a identificação de para onde foi o dinheiro da propina”, disse a VEJA o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Para Simone Tebet (MDB-MS), os parlamentares perderam tempo precioso. Nos últimos dias, uma tensa reunião dos membros da CPI evidenciou o desgaste, após o STF ter cobrado explicações sobre o vazamento de informações confidenciais. O esforço de alguns parlamentares agora é para encerrar os trabalhos o mais breve possível, preservando as importantes descobertas feitas no início das investigações, quando foi exposta uma incontestável e impressionante série de erros e omissões do governo no combate à pandemia.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753