O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, é quase um desconhecido se comparado a Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, ou mesmo Paulo Guedes, da Economia. Em quatro meses de governo, porém, Freitas vem abrindo espaço no governo de Jair Bolsonaro a golpes de eficiência. Além do esforço de desatar os nós da precária infraestrutura brasileira, coube a ele a missão de evitar uma greve de caminhoneiros. Na segunda-feira 22, Freitas esteve quatro horas reunido com trinta representantes dos caminhoneiros autônomos, que volta e meia ameaçam paralisar o país. Durante o encontro, discutiu em detalhes as razões da queda do preço do frete, mostrou conhecer os buracos e atoleiros de estradas nos confins do Brasil, e desceu aos meandros da burocracia relacionada aos transportes, que obriga os motoristas a gastar dinheiro com despachantes só para desenrolar a papelada de frete. O ministro informou seu número de WhatsApp a todos da sala, causando espanto em sua equipe, e comprometeu-se a repassar o aumento do combustível para a tabela de frete, o que fez já no dia seguinte. Mas foi claro ao afirmar que o tabelamento, medida implementada no ano passado, depois da greve que parou o país, é uma solução insuficiente, e que só o crescimento econômico pode aquecer a demanda pelo serviço dos caminhoneiros. A conversa funcionou: por ora, os caminhoneiros suspenderam a paralisação que vinha sendo planejada para o dia 29 de abril.
A atenção de Freitas às demandas dessa categoria conflagrada começou bem antes da atrapalhada tentativa de intervenção do presidente Bolsonaro no preço do diesel. Em meados de janeiro, o ministro já se reunia com caminhoneiros autônomos. No fim do mês, embarcou em uma carreta e em dois dias percorreu 1 000 quilômetros da BR-163, do sul ao norte do Pará, para conhecer o trecho por onde é escoada a maior parte dos grãos do cerrado. Vídeos gravados no percurso correram os grupos de WhatsApp dos motoristas. No Carnaval, Freitas voltou à BR-163, onde passou três dias trabalhando na operação para liberar a fila de caminhões que atingiu 50 quilômetros por causa da lama na estrada. A pavimentação desse trecho é uma das metas do ministério, com conclusão prevista para dezembro.
Entre empresários e executivos, Freitas vem sendo apontado como “o verdadeiro superministro”. “Foi o que menos falou e mais realizou até agora”, disse o presidente de uma concessionária de rodovias, pedindo o anonimato para não melindrar os demais ministros. O elogio dirige-se aos leilões de concessão: foram doze aeroportos regionais, dez terminais portuários e a Ferrovia Norte-Sul, que ligará Tocantins a São Paulo com 1 500 quilômetros de trilhos. Somadas, as concessões já renderam 2,7 bilhões de reais em outorgas à vista e 7 bilhões de reais em investimentos, que serão feitos nos próximos trinta anos pelos consórcios vencedores. Freitas é o símbolo de que a continuidade de políticas públicas é uma bênção. Ele chegou ao governo Bolsonaro com um plano de voo pronto, herdado dos dois anos que passou na Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), no governo Temer. No período, mapeou portos, aeroportos, hidrovias, ferrovias e rodovias Brasil afora, com o objetivo de selecionar os projetos prioritários e identificar os que poderiam ser repassados à iniciativa privada.
Carioca de 43 anos, o novo superministro é até chamado de “gênio” pelos colegas, o que ele rebate, dizendo que é apenas um cara esforçado e abençoado por Deus — católico, costuma creditar a Deus tudo de bom que já aconteceu em sua vida. “Ele é um dos profissionais mais brilhantes que conheci”, afirmou o general da reserva Jorge Fraxe, que conheceu Freitas em 2004, no Batalhão de Engenharia do Exército da Amazônia. Ele entrou no serviço público pela via militar. É formado em engenharia duas vezes — engenharia civil, na Academia Militar das Agulhas Negras, e de construções e fortificações, no prestigioso Instituto Militar de Engenharia (IME), de onde saiu com a nota média mais alta da história do curso (o que ele também considera uma dádiva divina: teve um câncer durante os estudos, e curou-se no último ano). Trabalhou na região amazônica e na missão de paz no Haiti. Deixou a carreira militar em 2009, no posto de capitão, para assumir o cargo de auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) — o salário era o dobro do que ganhava no Exército.
Na CGU, especializou-se na fiscalização de contratos federais da área de transportes, entre eles os do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Em 2011, dava expediente na CGU quando recebeu o convite para integrar a diretoria do Dnit, no governo de Dilma Rousseff. A presidente havia demitido a cúpula do Ministério dos Transportes, inclusive a do Dnit, controlado pelo Partido da República (PR) e mergulhado em denúncias de corrupção. A fama de supertécnico chegou à presidente, e Freitas assumiu a diretoria executiva. Nos quatro anos em que permaneceu no órgão, criou fama de incorruptível, palavra usada por vários entrevistados ouvidos por VEJA. “Não adianta procurar, porque não vão encontrar nada contra ele”, diz Marco Aurélio Barcelos, que trabalhou com Freitas na secretaria do PPI e atualmente é secretário estadual de Transportes e Obras Públicas de Minas Gerais. Dentro do Dnit, ficou famosa a pergunta que Freitas fez a um executivo de empreiteira que, pressionando pela assinatura de um contrato, insinuou que o negócio implicava propina: “Você sabe voar?”. Freitas então deu ao empreiteiro a opção de sair pela porta ou pela janela. Como estavam no 4º andar, ele preferiu a primeira opção.
O ministro de Bolsonaro costuma dizer que se deu bem com Dilma, ainda que percebesse deficiências nos leilões do governo petista. O presidente de um terminal portuário ouviu de Freitas que ela lhe dispensava total apoio em episódios como o do “empreiteiro voador”. O ministro não é dado às arengas doutrinárias tão próprias de alguns colegas seus. Não se ouvirá dele que os governos anteriores foram socialistas, ou que é preciso combater a infiltração esquerdista no ministério. Ele segue uma discreta mas firme orientação liberal. Prega que superar deficiências de infraestrutura é tarefa essencial para o aumento da produtividade do país, e que não se chegará a esse objetivo sem o capital privado. Para que os investidores despejem dinheiro na infraestrutura, porém, faltam alguns “gestos” do Estado. E a reforma da Previdência, tão cara a outro superministro, seria o maior desses gestos.
Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632
Qual a sua opinião sobre o tema desta reportagem? Se deseja ter seu comentário publicado na edição semanal de VEJA, escreva para veja@abril.com.br