O ex-ministro da Justiça Sergio Moro fez na semana passada um movimento inusitado às vésperas do término do prazo de filiação partidária para quem pretende ser candidato: deixou o Podemos, partido que o acolheu em novembro e abriu as portas para a sua candidatura presidencial, e migrou para o União Brasil, com o objetivo de ter uma estrutura partidária melhor para a sua pretensão e se introduzir na discussão sobre uma chapa única na terceira via que vem sendo travada pelos partidos de centro. A aposta revelou-se imediatamente problemática e expôs uma queda de braço entre alas do seu novo partido, que nasceu do casamento de conveniências entre o dinheiro do ex-nanico e ex-bolsonarista PSL e a grife política do DEM, menos de dois meses após a fusão ter sido oficializada pelo Tribunal Superior Eleitoral, cercada pela expectativa de que a sigla se tornaria a maior do país (acabou sendo superada pelo PL, nova legenda de Bolsonaro).
A entrada de Moro no partido mostrou o tamanho discórdia interna dentro do União. Nem mesmo o fato de ele ser o nome de centro mais bem posicionado nas pesquisas foi o bastante para uma acolhida com o tapete vermelho presidencial. Articulada pelo presidente do partido, deputado Luciano Bivar (PE), a sua filiação se deu em um momento de reacomodação da balança de poder na sigla após a janela partidária — na qual a sigla entrou com 82 deputados e saiu com 53. Pior, a ala de parlamentares do antigo PSL, que era de 54 na fusão, foi reduzida a dezesseis após o entra e sai de deputados (veja o quadro). O sinal de que o aval de Bivar não lhe seria suficiente veio rápido. As pretensões nacionais de Moro foram alvejadas logo de cara pelo grupo do secretário-geral do União, o ex-prefeito de Salvador e ex-presidente do DEM, ACM Neto, que deu as boas-vindas ao novo correligionário, contanto que não fosse para encarnar uma candidatura ao Palácio do Planalto. Diante disso, Moro declarou ter desistido naquele momento da disputa pela Presidência, mas voltou atrás no dia seguinte, em movimento que levou o grupo de Neto a subir o tom e a prometer até impugnar a sua filiação. A ameaça, se cumprida àquela altura, já depois do fim do prazo eleitoral, simplesmente tiraria o ex-juiz das urnas em outubro. Ao fim, uma nota assinada por Bivar e Neto anunciou que Moro faz parte de planos eleitorais em São Paulo — ou seja, salvo alguma reviravolta, ficaram limitados à Câmara e ao Senado.
A fratura do União Brasil acontece justamente no momento em que os partidos de centro batem na tecla da necessidade de união para enfrentar os favoritos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) na disputa presidencial. Mais: se soma aos rachas já conhecidos nos outros dois partidos da frente. Bastante menor hoje em comparação aos seus momentos gloriosos (veja a reportagem na pág. 40), o MDB tem como pré-candidata a senadora Simone Tebet (MS), que tem contra si, no entanto, o histórico da sigla de ser uma federação de interesses regionais. Há caciques emedebistas aliados a Lula e ao PT — como o senador Renan Calheiros (AL), o ex-senador Eunício Oliveira (CE) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA) — e os que são próximos a Bolsonaro, como o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Apesar do cenário desfavorável, Baleia Rossi (SP) insiste em dizer que as dissidências não inviabilizam a candidatura de Simone.
A situação no PSDB não é menos problemática. Na semana passada, o ex-governador de São Paulo João Doria melindrou lideranças tucanas e de possíveis aliados ao ameaçar não renunciar ao comando do Palácio dos Bandeirantes. Admitido depois por Doria como uma “estratégia” para obter apoio do PSDB, o episódio, porém, não serviu para desmobilizar a corrente interna que trabalha para impedir a sua candidatura. Apesar de sua vitória nas prévias, reconhecida em carta assinada pelo presidente do partido, Bruno Araújo, e relativizada pelo próprio no dia seguinte, políticos de União e MDB citam com frequência como obstáculos a Doria a antipatia a ele no ninho tucano, a sua inabilidade política e a alta rejeição do eleitorado. Com sinal verde de parte da cúpula tucana, o ex-governador gaúcho Eduardo Leite é a aposta desse grupo para derrubar Doria na convenção nacional. O movimento é visto com ressalvas fora do PSDB por seus contornos antidemocráticos, embora tenha sido muito bem recebido o aceno de Leite à possibilidade de ser vice de Simone Tebet. “Nenhum desses partidos tem uma liderança capaz de unificar os grupos internos em torno de um projeto. Sem consensos internos, quando se planeja unir dois ou três partidos, fica mais difícil”, diz o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Maior legenda da tríplice aliança, o União Brasil tenta liderar o projeto de chapa única, a despeito de tantos solavancos. Com Moro fora do páreo (ao menos, por ora), Bivar deve indicar a si próprio para compor uma chapa ao Planalto — aliados dizem que ele quer mesmo é a vaga de vice. Na quarta 6, o pernambucano participou de uma reunião em Brasília com os presidentes tucano e emedebista, Bruno Araújo e Baleia Rossi, respectivamente. No encontro, foi fixado dia 18 de maio como a data para o anúncio da chapa que irá enfrentar Lula e Bolsonaro. Figuras do antigo DEM, por outro lado, dão de ombros para a pretensão nacional de Bivar e defendem foco total na eleição de bancadas no Congresso. Líderes como ACM Neto e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, têm priorizado objetivos regionais. Favorito à disputa pelo governo da Bahia, Neto conta com votos de eleitores baianos de Lula, enquanto Caiado, em busca da reeleição, se vê diante da preferência dos goianos por Bolsonaro. O foco de ACM Neto na própria eleição em detrimento das costuras nacionais, a propósito, rende críticas no grupo. “Neto só pensa na Bahia”, resume um correligionário. “São legítimas as posições deles, mas também não dá para sacrificar toda a fusão, todo contexto e a composição, em privilégio de uma ou duas situações”, avalia, em tom mais diplomático, o deputado Junior Bozzella (SP).
Enquanto se familiariza com a confusão na nova casa e com a relação tumultuada desta com os seus companheiros de viagem eleitoral, Moro segue se comportando como candidato à Presidência. Logo depois de anunciar a sua filiação ao União, ele se encontrou em São Paulo, separadamente, com Leite e Tebet. Na semana que passou, divulgou um vídeo típico de candidato a eleições majoritárias, uma peça biográfica com informações sobre as suas trajetórias pessoal e profissional. O ex-ministro também viajou aos Estados Unidos para uma série de compromissos, entre eles uma conversa com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, reuniões com investidores e participação em um debate sobre as eleições no Brasil. Dentro do União Brasil, há quem avalie que Moro entrou na sigla já sabendo que não teria como manter a sua postulação presidencial. Na visão de um político próximo a Bivar, não faz sentido cogitar Moro como presidenciável depois de ele ter deixado o Podemos, onde tinha legenda garantida, e ter mudado o domicílio eleitoral para São Paulo, onde pode disputar vaga para a Câmara Federal. “Ele é um grande puxador de votos e o União está interessado em Fundo Partidário e tempo de televisão”, diz o cientista político Rubens Figueiredo. Na ala ligada a ACM Neto, políticos dizem que Moro só conseguiria ressuscitar a candidatura presidencial com um improvável crescimento nas pesquisas. Foi por esse motivo que ele fez chegar ao menos a um instituto o pedido para que não tirassem o seu nome dos levantamentos. Projeção do Paraná Pesquisas divulgada na semana, aliás, manteve o seu nome — com 7,1% das intenções de voto, ele ficou atrás apenas de Lula e Bolsonaro.
Seja qual for o rumo a ser tomado por Moro nas eleições de outubro, a sua filiação ao União Brasil, dominado por políticos experientes e antipáticos ao “lava-jatismo”, mostrou-se o mais recente passo em falso do ex-ministro. Depois de ter abandonado a toga para compor o governo do principal beneficiado eleitoral pela prisão de Lula, Moro deixou o governo atirando, fez várias acusações que não se comprovaram e atraiu a antipatia do bolsonarismo. Depois, foi para uma controversa empreitada na iniciativa privada, em uma consultoria privada que lucra com as empresas condenadas na Lava-Jato. Ao decidir estrear na política, o fez por um partido pequeno, que deixou sem nenhuma cerimônia poucos meses depois. Agora, tenta uma última cartada para cavar um lugar vip na tumultuada barca do centro. Unificar tamanha desunião será um desafio e tanto para uma terceira via que corre o risco de naufragar por um defeito fatal neste ponto da travessia eleitoral: a falta de votos.
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784