Uma das principais figuras do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que sempre teve vocação governista, é um neófito na oposição. Frequentador do Congresso desde 1995, quando obteve o primeiro mandato como deputado federal, o ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro esteve do lado contrário por apenas duas vezes desde então. Na primeira, em 2016, por apenas poucas semanas. “Rompi com a ex-presidente Dilma Rousseff e passei vinte dias assim até a chegada de Michel Temer”, lembra. Agora, a experiência deve durar muito mais tempo. Desde a volta de Lula ao Palácio do Planalto, Ciro tem circulado pelos estados tentando arregimentar descontentes. Político hábil e experiente, tenta organizar uma até agora desorganizada oposição.
Ciro vem gastando bastante sola de sapato para dar conta da missão. No sábado 18, esteve no Rio de Janeiro, para um evento com o governador Cláudio Castro (PL). Nos bastidores, a conversa ali foi sobre a sucessão de Eduardo Paes na prefeitura, no ano que vem. Ciro reforçou o apoio ao candidato de Castro (o secretário estadual de Saúde, Doutor Luizinho, do PP, é um dos cotados), que tenta frustrar os planos de reeleição de Paes, um político hoje alinhado a Lula. Três semanas antes, Ciro passou por São Paulo e participou de um jantar do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), com os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do PSD, Gilberto Kassab. Embora Nunes ainda não tenha conseguido obter os apoios dos dois caciques, viu em Ciro uma voz importante para a consolidação de seu projeto à reeleição paulistana (o PP faz parte da rede de apoios a ele). O principal rival a essa pretensão é Guilherme Boulos (PSOL-SP), apoiado pelo PT. “Nossa única chance de derrotá-lo e nos fortalecer para 2026 é apostando na união do centro com a direita. A eleição municipal de São Paulo será a mais importante do país”, afirma o ex-ministro.
Em paralelo, Ciro atua no Congresso tentando demarcar claramente o campo da oposição, em especial na Câmara. Trata-se de uma tarefa difícil, dada a quantidade de deputados ainda em cima do muro. Na conta otimista do ex-ministro, há por ali 300 parlamentares na oposição, de um total de 513. Mas a verdade é que nem dentro do PP de Ciro se sabe ao certo quem está a favor ou contra o governo. A conta só ficará mais clara à medida que as votações importantes para o país começarem a ocorrer. Enquanto isso, também pela falta de unidade, a fusão do PP com o União Brasil subiu no telhado. Ciro coloca o problema na conta dos caciques do União, como o senador Davi Alcolumbre. “O PP é mais coeso, mas o União tem muitos comandos e muitos conflitos. Estavam querendo começar um casamento novo sem resolver o antigo, que foi a fusão do PSL com o DEM”, resume Ciro, praticamente dando como encerrada a possibilidade.
Numa outra frente de batalha, ele encarna hoje uma das vozes políticas mais ácidas e frequentes nas redes sociais contra o novo governo federal. Ciro afirma que Lula, seu ex-aliado, ainda não conseguiu impor uma marca nos primeiros três meses por causa de seus constantes ataques verbais: “O presidente sempre operou um Boeing 737 e agora tem na mão algo ainda melhor, com tanque cheio, além de um copiloto experiente, o Geraldo Alckmin, mas o deixa isolado e sem função. Além disso, seus sucessivos ataques ao mercado têm assustado não só a mim como a boa parte do Congresso”. Nos próximos meses, prossegue Ciro, o petista terá um teste de fogo na tentativa de passar pelo Legislativo projetos fundamentais. Nesse momento, tanto a qualidade das propostas quanto a fidelidade da base governista serão testadas na prática. “O novo arcabouço fiscal será o grande projeto, mas dá medo de ele se tornar um iceberg e afundar o país”, afirma o senador.
De certa forma, Ciro vai preenchendo o espaço de liderança de oposição que ficou vazio desde a derrota de Jair Bolsonaro. O ex-presidente ficou sem rumo entre o exílio demorado na Flórida, o escândalo das joias e a — fortíssima — perspectiva de inelegibilidade pelas mãos do TSE. Responsável pela campanha dele nas últimas eleições, Ciro ainda não o considera fora do jogo. “Falamos semanalmente e ele me disse que retornará ao país no fim de abril”, afirma. De acordo com Ciro, Bolsonaro vai defender o seu próprio legado e tem ainda um público fiel, mas não descarta a possibilidade de outros políticos ocuparem seu lugar no cenário nacional. Ele não leva muita fé na aposta do PL em Michelle Bolsonaro e prefere colocar suas fichas nos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR). Ciro, claro, mantém boas relações com todos eles, na esperança de que o período na oposição seja o mais curto possível.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834