“Tirar o Estado do cangote do produtor.” Com essa frase, o então candidato presidencial Jair Bolsonaro anunciou seus planos de afrouxar a fiscalização ambiental, que, na sua opinião, constituía um empecilho inútil e burocrático para o trabalho dos produtores rurais — quando não formava bolsões burocráticos da “indústria da multa”. Eleito, Bolsonaro deu seguimento às suas promessas e começou a arregaçar as mangas para extinguir o foco dos empecilhos e das multas — o Ministério do Meio Ambiente, criado em 1985. Mas logo veio o primeiro choque de realidade: os próprios ruralistas, com receio de perder mercado internacional para seus produtos, pressionaram para que o ministério fosse mantido. Bolsonaro cedeu e escolheu para o cargo o advogado Ricardo Salles, ex-diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira, entidade que protege os interesses do setor agropecuário.
Agora, com a catástrofe de Brumadinho, veio o segundo choque de realidade. Diante da tragédia, Bolsonaro prometeu o óbvio: fazer fiscalizações rigorosas para evitar novos acidentes do gênero. Resta saber se a mudança de seu discurso é substanciosa ou apenas momentânea. “Ele pode amenizar agora”, diz Marina Silva, ministra do Meio Ambiente durante o governo de Lula. “Mas ele ganhou a eleição com um discurso contrário à manutenção da proteção ambiental, tanto em âmbito nacional quanto internacional. Ele vai seguir com essa conduta pelo compromisso político.” O pensamento de Marina resume a expectativa dos ambientalistas em geral, que desconfiam da guinada de Bolsonaro. Contudo, há uma ressalva: o descaso com a área ambiental não seria exclusividade do novo governo.
“Depois do rompimento em Mariana, há mais de três anos, também se fizeram promessas para intensificar o monitoramento e reduzir impactos. Mas, logo que a comoção diminuiu, tudo foi desprezado”, diz o secretário executivo da organização Observatório do Clima, Carlos Rittl. Segundo ele, a postura atual é ainda mais condenável. “Salles está sendo tão oportunista que se apoiou no que ocorreu em Brumadinho para vender a facilitação do licenciamento, alegando que deixá-lo simples para pequenos projetos permitiria fiscalizar melhor os maiores. Uma conclusão ilusória e que, no fim das contas, só atenderá aos interesses dos mineradores”, acredita Rittl.
“Essa questão de licença ambiental atrapalha”, chegou a dizer, em dezembro, o presidente eleito Bolsonaro. Sua teoria era de que haveria uma “indústria de multas” apoiada em fiscais. O ministro Ricardo Salles estudava, inclusive, formas de penalizar aqueles que aplicassem punições consideradas pela pasta como “inconsistentes”. No limite, o efeito disso seria coibir a fiscalização. Atualmente, tramita no Congresso uma série de propostas — impulsionadas por lobbies do agronegócio e de mineradoras — de flexibilização de normas de proteção ambiental. Uma delas, da lavra do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR), sugere facilitar a liberação de construções consideradas como “estratégicas ao país”. Outro exemplo é a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que pretende autorizar um, digamos, “licenciamento flex”, por meio do qual se distribuiriam aprovações praticamente automáticas para empreendimentos considerados de baixo impacto.
Em qualquer país avançado, busca-se um equilíbrio entre preservação ambiental e exploração comercial, não importa de que natureza seja. Obviamente, é inaceitável que o meio ambiente constitua um entrave absoluto a qualquer modalidade de desenvolvimento, assim como é inaceitável que, na outra direção, o desenvolvimento se torne uma máquina de devastação ambiental permanente. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio e — mais uma vez — despir a questão das paixões ideológicas.
Fatos dramáticos como a tragédia de Brumadinho evidenciam que a fiscalização é necessária. Sua carência não apenas oferece riscos ambientais — nem sempre imediatos —, como também ameaça vidas humanas. Afirma o deputado mineiro Alessandro Molon (PSB-RJ), alinhado com as causas verdes: “A esperança é que o novo governo se comova e abandone o discurso de que quem protege a natureza é contra o desenvolvimento. Até em respeito às vítimas, espero que parem de forçar a apresentação de leis que fragilizem a fiscalização”.
Com reportagem de André Lopes
Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620
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