Quando Joaquim Levy, sob pressão, se demitiu da presidência do BNDES, no domingo 16 (leia reportagem na pág. 68), Carlos Bolsonaro buscou o Twitter para descartar, com a costumeira sutileza, qualquer responsabilidade no caso: “A culpa não foi minha dessa vez, cambada de fdp?”. De fato, o vereador do PSL do Rio de Janeiro nada teve a ver com a fritura do presidente do banco estatal. Mas suas digitais estão sobre a demissão, três dias antes, do ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto Santos Cruz. O filho Zero Dois do presidente anda relativamente mais discreto nas redes sociais — e, mais importante, já não tem autonomia para postar, na conta de seu pai no Twitter, as provocações que tanto desgaste desnecessário trouxeram ao governo. Engana-se, porém, quem imagina que Carlos agora só se dedica a assuntos municipais cariocas: o chamado pit bull está na coleira, mas ainda morde.
Nos corredores do Planalto, comentava-se que Santos Cruz havia barrado um projeto ambicioso de comunicação desenhado por Carlos — uma investida agressiva na guerra cultural na internet, com distribuição de verba para influencers de direita e controle total sobre as assessorias de imprensa de ministérios, autarquias e estatais. Conhecido pelo apelido “Sete Trancas” por seu perfil de austeridade, o general vetou a proposta. Interlocutores próximos relataram que ele disse “não vou assinar” ao próprio presidente, com quem conversou sobre o plano há duas semanas.
Santos Cruz também estava segurando a nomeação de cargos de segundo e terceiro escalão do governo pleiteados por parlamentares aliados, o que estaria dificultando a articulação política no Congresso. Além disso, havia mantido em alguns postos as “pratas da casa” — servidores que vinham de administrações anteriores (vale dizer, de governos petistas) e que, portanto, eram vistos como leprosos pela ala mais ideológica do Planalto. Carlos não foi, portanto, a única força na demissão do general. Mas exerceu, sim, influência.
Os militares do Planalto, de outro lado, foram determinantes para conter as investidas mais violentas do pit bull. Em maio, quando as diatribes contra os militares do proselitista Olavo de Carvalho (que Carlos admira) eram frequentes, a ala fardada resolveu dar um basta. Os generais de alta patente reuniram-se na sala do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, para cerrar fileiras contra o olavismo. Cogitaram até deixar o governo, mas a ideia foi logo descartada. Ali ficou definido que os mais próximos de Bolsonaro tentariam convencê-lo a conter seu guru — e também seu filho. Coube a Augusto Heleno e ao general Eduardo Villas Boas a missão de dizer ao presidente que o “ímpeto” de Carlos precisava ser controlado, para evitar novas crises. O apelo surtiu efeito (e o Brasil agradece). Nas semanas seguintes, Carlos Bolsonaro se concentraria em tuítes que expunham suas ações na Câmara Municipal do Rio, ou que defendiam a nova Previdência e o pacote anticrime (Olavo de Carvalho, de seu lado, parou de comentar política para falar de terraplanismo). Tuiteiro compulsivo, o vereador não deixou de fazer as manifestações crípticas que são sua marca — entre elas, uma pitoresca postagem em código Morse, que ele mesmo decifrou: “Lula tá preso, babaca”. No café da manhã do dia 14 com jornalistas, Bolsonaro confirmou que o tal “ímpeto” de Carlos fora “contido”. Mas a eventual contenção não impede a natureza agressiva dos pit bulls: já no dia 7, quando o presidente estava na Argentina e o vice ocupava seu lugar, Carlos tuitou: “Volte logo presidente de verdade”. Uma nova farpa na direção de seu principal alvo, o general Hamilton Mourão.
Entre uma demissão e outra, a vida segue no Planalto. Santos Cruz foi substituído por um general da ativa, Luiz Eduardo Ramos, que guarda pelo menos dois pontos em comum com o antecessor: é velho amigo do presidente e tem fama de austero. Não se sabe se ele também será um obstáculo para que Carlos realize seu sonho de cavar uma trincheira ideológica no Planalto. O general Ramos leva pelo menos uma vantagem sobre Santos Cruz. Ele mantém uma conta no Twitter, com mais de 43 000 seguidores. Ou seja, sabe falar no fórum em que Carlos Bolsonaro faz barulho. Tuitadas sem sentido à parte, o fundamental foi feito: pela primeira vez, Bolsonaro colocou limites ao Zero Dois.
Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640
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