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Candidatos à sucessão de Lula já duelam nos bastidores, sem descartar 2026

Eles se movimentam para delimitar áreas de influência, exibir força e conquistar o apoio do presidente

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 jun 2024, 08h00
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  • Na campanha de 2022, o presidente Lula disse que tinha em mente, caso eleito, cumprir os quatro anos de mandato e sair de cena na sequência, entregando um Brasil “tinindo” para o seu sucessor. Ao assumir o cargo, o petista logo mudou o tom e afirmou que, apesar da idade avançada, poderia tentar a reeleição se houver alguma “situação delicada”, sem explicar qual seria ela. Não é segredo para ninguém que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, têm em comum o desejo de suceder a Lula — seja em 2030, seja em 2026 — e já estão abertamente demarcando território. Na segunda-feira 3, Haddad embarcou para a Itália, onde participou de uma conferência que discutiu estratégias para reduzir as dívidas de nações do Hemisfério Sul. É um tema que garante visibilidade e projeção internacional. Em Roma, o ministro se reuniu com autoridades e discorreu sobre a necessidade de criar um fundo mundial para combater a pobreza e as mudanças climáticas. O ponto alto da viagem, no entanto, aconteceu na quinta-feira, quando Had­dad foi recebido pelo papa Francisco no Vaticano. Os dois conversaram sobre a proposta de taxar as grandes fortunas, iniciativa, segundo ele, essencial para diminuir a desigualdade econômica no planeta. Depois do encontro, o gran finale: a foto.

    A proposta de cobrar um imposto dos chamados super-ricos é tão antiga como controversa, mas, repetida, ela sempre reverbera bem. “Acredito que é uma ideia que veio para ficar, junto com a reforma dos organismos multilaterais, junto com a questão do enfrentamento da dívida dos países pobres. É um conjunto de iniciativas que, na minha opinião, vão acabar tendo que ser debatidas no G20 e em outros fóruns importantes”, disse o ministro em uma entrevista coletiva. França e Espanha já deram aval à medida que prevê o recolhimento anual de 2% do valor total das riquezas dos multimilionários. Os Estados Unidos e alguns países importantes da Europa, porém, resistem. O fundo teria aproximadamente 500 bilhões de dólares. A audiência com o papa tinha como pano de fundo pedir o apoio público ao pontífice. “Estamos falando de algo que vai afetar milhares para favorecer bilhões. Me parece uma proposta decente, no ponto de vista social, econômico e político”, completou o ministro. Francisco já mostrou sua simpatia pela causa. Se for bem-sucedido, Haddad já tem um feito mundial a ser exaltado.

    O Brasil ocupa a presidência rotativa do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo. Para quem tem aspirações ambiciosas, como é o caso de Haddad, a pregação a favor de um imposto que tira dos ricos para dar aos pobres serve como uma vitrine internacional. Já ser fotografado ao lado do papa, embora não seja um privilégio tão exclusivo assim (veja o boxe), tem um enorme apelo político. O ministro da Fazenda, que se define como um “cristão ortodoxo”, é cotado dentro e fora do governo como o candidato natural do PT para suceder a Lula. Há vários pontos que contam a seu favor. Haddad tem experiência política e administrativa. Foi ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Em 2018, quando Lula estava preso, concorreu à Presidência da República, perdeu para Jair Bolsonaro, mas conquistou impressionantes 47 milhões de votos. Em 2022, sofreu uma nova derrota ao disputar o governo de São Paulo, mas também com boa performance. A escolha dele para ocupar o Ministério da Fazenda não foi por acaso.

    NA BATALHA - Rui Costa: reuniões na China e verbas para a tragédia gaúcha
    NA BATALHA - Rui Costa: reuniões na China e verbas para a tragédia gaúcha (Casa Civil/Divulgação)

    Voz equilibrada dentro de um governo multifacetado, Haddad está alinhado a projetos importantes, tem bom trânsito entre os maiores empresários do país e é respeitado no meio político, especialmente no Congresso. São credenciais importantes para uma largada em direção ao Palácio do Planalto. Por isso, aparições em fóruns internacionais, como o da Itália, devem ocorrer com mais frequência de agora em diante. Já a foto ao lado do papa, além de uma peça publicitária, vai ajudar o ministro a vencer resistências numa faixa do eleitorado que pode ser decisiva. Para conseguir uma agenda exclusiva com Francisco, Haddad precisou acionar o corpo diplomático. Isso porque, pelo protocolo do Vaticano, o papa recebe em encontros reservados apenas chefes de Estado em exercício — outras autoridades, como ministros, só em caráter excepcional ou em solenidades públicas. Acionado, o Itamaraty encaminhou o pedido ao Vaticano, que deu sinal verde. A religião, como se sabe, exerce uma variável importante na política — e não apenas nos segmentos evangélicos. De acordo com o Datafolha, 50% dos brasileiros são católicos — apesar de metade não ser praticante, eles ainda assim representam uma massa considerável da população. “O Haddad fez um cálculo e, como não tem o voto evangélico, mais alinhado a Jair Bolsonaro, mirou o eleitorado católico. É uma ação de relações públicas que rende foto e presença nos jornais, e atinge um público específico”, afirma Antonio Lavareda, cientista político e especialista em comportamento eleitoral.

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    Embora seja considerado o favorito por muitos, Haddad enfrenta um concorrente de peso para se consagrar como herdeiro de Lula. Outro cotado ao posto é o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Na sua posição de grande condutor dos trabalhos no Executivo, Costa tem dedicado atenção especial à tragédia do Rio Grande do Sul e intercalado a agenda em Brasília com visitas ao estado para anunciar investimentos e programas especiais a fim de reerguer a economia gaúcha. Na última semana, ele também cruzou o oceano e, acompanhado de uma comitiva brasileira, foi a Pequim, na China, com o objetivo de ampliar as relações comerciais entre os países. Em encontro com a presidente do banco do Brics, Dilma Rousseff, foi pactuado um aporte de 5,7 bilhões de reais, com recursos também do BNDES e do Banco do Brasil, para a reconstrução do estado. Costa também participou de reuniões com empresários dos setores de transporte, saúde e elétrico e, em discurso, lembrou que o Novo PAC, o carro-chefe da Casa Civil, vai abrir caminho para projetos estruturantes no país e, por tabela, render frutos aos investidores — tudo cuidadosamente publicado em suas redes sociais.

    CORRENDO POR FORA - O ministro Camilo Santana: a educação é a única área do governo bem avaliada pelos eleitores
    CORRENDO POR FORA – O ministro Camilo Santana: a educação é a única área do governo bem avaliada pelos eleitores (Ricardo Stuckert/PR)

    Sem dúvida, Costa e Haddad são os dois principais nomes para uma eventual ausência de Lula na urna eletrônica em 2026. Mas trata-se de uma disputa intrincada, cheia de pequenos detalhes, e sempre pode haver uma surpresa. Em paralelo e sem alarde, o ministro da Educação, o também petista Camilo Santana, tem chamado a atenção em alguns círculos devido à desenvoltura com que tem aparecido ao lado do presidente da República. É de sua pasta a principal inovação neste terceiro mandato de Lula: o programa Pé-de-Meia, que estimula os alunos do ensino médio a comparecer à sala de aula e prestar o Enem por meio da concessão de uma bolsa que pode chegar a 9 200 reais ao fim do curso. Mais de 3 milhões de jovens são beneficiados com a medida. De acordo com pesquisa Ipec divulgada no fim de abril, a educação é o único setor do governo que acumula avaliação positiva. A boa imagem fez quebrar, ao menos momentaneamente, as disputas políticas. Numa cena rara de se ver no Palácio do Planalto, Santana reuniu no fim de maio governadores, inclusive os de oposição, numa cerimônia concorrida destinada a celebrar o aumento dos índices de alfabetização no país.

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    Dentro e fora do governo, são cada vez mais recorrentes os rumores e as especulações de que Lula pode encerrar sua carreira política em 2026, quando terá 81 anos de idade. Não há, por enquanto, nenhuma evidência de que isso vá ocorrer. Experiente, o presidente sabe que o anúncio de uma decisão como essa precipitaria o início do fim do mandato, fragilizaria seu poder e provocaria uma guerra sucessória precoce, principalmente entre os próprios petistas. Melhor, portanto, que a disputa continue como está — silenciosa, disfarçada, sem que nenhum dos candidatos admita que ela de fato existe. Nos bastidores, embora saibam manter as aparências, Haddad e Rui Costa já vivem em conflito, se comportam como adversários, desconfiam um do outro, são alvos de intrigas e elaboram agendas políticas pensando na sucessão do chefe (daqui a dois ou seis anos). Os petistas estão em plena campanha.

    Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896

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