Desde que foram divulgadas as primeiras mensagens privadas entre os procuradores da Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro, alguns dos principais envolvidos no escândalo de corrupção viram nelas mais que uma luz no fim do túnel. A defesa de Lula, por exemplo, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspeição de Moro. O recurso deve ser julgado até novembro. Se concedido, o ex-presidente teria anulada sua sentença de oito anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do apartamento tríplex que ele ganhou de uma empreiteira. A eventual suspeição do ex-juiz também afetaria o processo do sítio de Atibaia, em que Lula foi condenado por Moro a mais doze anos de prisão. Os dois processos precisariam ser refeitos. Lula, apontado como chefe da quadrilha que desviou 40 bilhões de reais dos cofres da Petrobras, ganharia a liberdade e, aos 73 anos, provavelmente não seria mais alcançado pela Justiça.
O caso desperta paixões em Brasília e no resto do país — e, como acontece com as paixões, nem sempre elas são acompanhadas do equilíbrio necessário. Por isso a opinião do indicado ao cargo de procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre o tema é um alento de esperança. Na próxima quarta, 25, ele será sabatinado pelo Senado, que decidirá sobre sua aprovação. Nos últimos dias, o provável PGR visitou vários parlamentares em busca de apoio à sua indicação e foi questionado sobre uma infinidade de temas, incluindo a Lava-Jato. VEJA recuperou algumas de suas falas. Em resumo, Aras é um crítico dos métodos de Deltan Dallagnol & cia., mas não da operação em si. Indagado especificamente sobre a possibilidade de anulação dos processos conduzidos pelo ex-juiz Sergio Moro, o procurador foi enfático e respondeu que nada deve acontecer — e, em sua avaliação, nem pode. Segundo ele, as mensagens que mostram Moro e os procuradores da Lava-Jato atuando juntos para colher evidências de crime, combinar diligências e indicar testemunhas — o que é totalmente irregular — não podem ser admitidas como prova nos processos que tramitam na Justiça, porque foram obtidas de maneira ilegal.
Para o procurador, no entanto, o mesmo raciocínio não se aplica a processos administrativos. Nesse campo, as mensagens poderiam, sim, ser usadas para atestar práticas funcionais irregulares dos procuradores. Aras compara alguns métodos de investigação usados na Lava-Jato à tortura psicológica. De acordo com ele, a divulgação das mensagens entre Moro e os procuradores revelou ao mesmo tempo o bem-intencionado ímpeto dos investigadores que conseguiram desmantelar o maior esquema de corrupção já visto, porém combinado com o uso de ações que agridem o estado democrático de direito. O dilema é encontrar uma maneira de punir quem praticou ilegalidades. Como procurador-geral, caberá a Augusto Aras também presidir o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão responsável por coibir abusos de procuradores e promotores. É dessa seara, segundo ele, que podem sair as punições.
Nas conversas que manteve durante a semana, Aras explicou a interlocutores que as mensagens, embora imprestáveis em processos judiciais, podem ser usadas contra Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato, e outros procuradores em processos administrativos. O futuro PGR não deu maiores detalhes sobre o assunto, mas disse não ter dúvida de que “agentes relevantes da Lava-Jato de Curitiba poderão sofrer algum tipo de debacle no caminho”. Dallagnol já responde a procedimentos disciplinares no conselho.
Foi exatamente por declarações como essas que a chegada de Aras ao comando da procuradoria ainda é vista com alguma desconfiança por uma parte da instituição, principalmente aquela mais ligada à Lava-Jato. Para vencer a resistência de colegas e mostrar que não é um opositor da operação, o futuro procurador já anunciou que pretende regulamentar a criação e o funcionamento das forças-tarefas, corrigindo os métodos que considera abusivos e replicando o modelo como política de Estado. Antes mesmo de ter a indicação confirmada pelo Congresso, Aras também convidou para retomar suas funções os procuradores que renunciaram a seus postos em protesto contra a decisão da ex-procuradora-geral Raquel Dodge de arquivar capítulos da delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que envolveu autoridades do Congresso e do Poder Judiciário em denúncias de corrupção. Se continuar assim, atuando com equilíbrio e coerência, Aras fará um grande bem ao país.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653