A imagem mais conhecida do Palácio do Planalto, sede do governo federal, em Brasília, é o edifício modernista projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1960. Diante de tanta beleza, a maioria das pessoas nem chega a notar o conjunto de prédios construídos do lado direito, abaixo do nível da rua. Os três anexos — além de um restaurante, operado pelo Sesi — são conectados ao palácio por um túnel e formam um conjunto arquitetônico bem menos exuberante que o lugar de onde despacha o presidente da República. Mas é essa área pouco conhecida que abriga uma grande e surpreendente estrutura. Ela inclui um mini-hospital com profissionais de diversas especialidades e um laboratório próprio. Há também por ali cinco consultórios odontológicos. Os serviços só atendem funcionários do palácio e seus familiares. Por falar em funcionários, o total de empregados do palácio é 3 234. O exagero fica evidente na comparação com seus equivalentes americanos, a Casa Branca e o Edifício Eisenhower. Juntos, eles abrigam as equipes dos principais auxiliares do presidente dos Estados Unidos e somam aproximadamente 2 000 servidores.
No início do atual governo, ao tomar conhecimento da exorbitância herdada de outras administrações, o então ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, encomendou um estudo para enxugar custos. O primeiro passo era chegar ao número exato de empregados lotados no complexo presidencial, que inclui os ministérios da Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria-Geral, Secretaria de Governo e Vice-Presidência. Ao saber que havia por lá mais de 3 200 servidores, Bebianno começou a afiar o facão. Só a folha de pagamento soma 160 milhões de reais por ano, de acordo com a administração do palácio. O custo anual sobe para quase 250 milhões quando se consideram as demais despesas de custeio para a manutenção da estrutura palaciana. “Meu objetivo era reduzir esse número em 30% em uma primeira fase e chegar a 50% no fim da reestruturação”, diz Bebianno. Na época, ele conseguiu obter o apoio de Vicente Falconi, um dos maiores consultores brasileiros em administração, que se dispôs a ajudá-lo na tarefa gratuitamente.
O enxugamento seria possível com o redesenho dos processos de trabalho de todas as áreas. O excesso de pessoal foi identificado em vários departamentos. “Cerca de 100 pessoas trabalhavam basicamente para rodar a folha de pagamento”, afirma Fabian Seabra, que coordenou o plano de reestruturação engavetado com a saída de Bebianno do governo, em fevereiro. A título de comparação, a Nestlé, com aproximadamente 30 000 empregados no Brasil, tem 200 funcionários no departamento de recursos humanos. Ou seja, proporcionalmente, o RH do palácio é quase cinco vezes maior que o da multinacional suíça. Parte da estratégia de Seabra visava a acabar com a sobreposição de funções, como ocorre com as equipes de cerimonial, que organizam eventos e solenidades oficiais. Cada ministro tem uma equipe para executar esse tipo de atividade, sem contar as equipes do presidente e do vice. “Um único cerimonial daria conta do recado com bem menos gente”, diz Seabra. A frota de veículos palacianos também estava na mira: há 102 carros próprios destinados a transportar o presidente, o vice, ministros e alguns de seus auxiliares. Pelos cálculos de Seabra, porém, a frota completa tem em torno de 240 veículos, contando os terceirizados, que incluem guincho e ambulâncias.
A joia do complexo médico palaciano é a Coordenadoria de Saúde (Cosau). Chamado de ambulatório ou enfermaria pelos funcionários, o local, no Anexo III, é na verdade um pequeno hospital que dispõe de treze médicos de várias especialidades, entre elas cardiologia, ginecologia e psiquiatria. A turma trabalha em esquema de revezamento, de forma que sempre haja pelo menos dois profissionais de prontidão. No laboratório são feitos desde exames de sangue até ultrassonografias. Para especialistas em gestão hospitalar, não é racional manter esse tipo de estrutura sem ter uma alta demanda — por isso a maioria dos hospitais privados terceiriza os exames.
De acordo com um levantamento ao qual VEJA teve acesso, 85 funcionários trabalham na Cosau, incluindo enfermeiros, radiologistas e fisioterapeuta. Um luxo na comparação com qualquer empresa de grande porte, em que o serviço médico tem a função de dar os primeiros socorros em caso de emergência. Procurada por VEJA, a administração do palácio não quis conceder entrevista sobre o assunto. Por ironia, uma das baixas recentes no quadro de funcionários acabou sendo justamente a do autor do plano de enxugamento: Seabra foi demitido em outubro, segundo decisão publicada no Diário Oficial, sem nenhuma explicação.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668