A operação Lava-Jato descobriu que um grupo formado pelos maiores empreiteiros do país se associou a alguns partidos políticos e juntos montaram um esquema de corrupção que desviou quase 50 bilhões de reais dos cofres da Petrobras durante os governos do PT. Contrariando a tradição de casos que alcançam figurões, muitos deles foram condenados e presos. Mas a tradição aos poucos foi sendo resgatada. Primeiro descobriu-se que o juiz Sergio Moro e os procuradores que conduziam a investigação no Paraná lançaram mão de métodos heterodoxos (e, algumas vezes, ilegais) para chegar aos criminosos, o que provocou a anulação do processo que levou à cadeia o atual presidente da República. Corruptos confessos também escaparam das punições depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que Curitiba não era o foro adequado para a tramitação de algumas ações penais. Agora são os corruptores que se articulam para tentar atravessar a janela da impunidade.
Em dezembro passado, dois empreiteiros procuraram um grande escritório de advocacia em Brasília e fizeram uma consulta sobre a possibilidade de invalidar os acordos de colaboração que realizaram com a Justiça, ocasião em que confessaram a participação nos crimes em troca de redução das penas. No início do ano, outros três executivos ligados às empresas pilhadas no escândalo da Petrobras se reuniram em São Paulo com o representante de uma conhecida banca criminal e se disseram arrependidos. A tese defendida pelos criminalistas, em linhas gerais, é a seguinte: se as condenações, os acordos de colaboração, as confissões e as multas são derivados de um processo contaminado desde a origem, nada valeriam. Tudo deveria ser anulado. Na melhor das hipóteses, os processos que tramitaram no Paraná, assim como o de Lula, teriam de começar do zero em outra jurisdição. “Só isso já geraria naturalmente uma prescrição em cadeia”, disse, sob a condição de anonimato, um dos advogados consultados pelos empresários, revelando o ardil.
Há outras teses jurídicas sendo estudadas. Para o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende mais de trinta pessoas envolvidas no escândalo, além das ilegalidades processuais que acompanharam a Lava-Jato em sua gênese, também houve coação aos investigados, especialmente sobre os empreiteiros. “O instituto da delação premiada foi estuprado. Não existe espontaneidade quando, por exemplo, 78 pessoas da mesma empresa fazem delação ao mesmo tempo”, diz. As chances de todos os processos terminarem no ralo existe, mas também existe um risco. Nove anos depois do início da Operação, boa parte dos empreiteiros que colaboraram leva uma vida razoavelmente tranquila, distante dos holofotes. Para eles, a questão é se vale a pena encampar um movimento que, no limite, trará de volta histórias de um passado ignóbil — as empreiteiras eram agraciadas pelo governo com vultosos contratos da Petrobras e, em troca, pagavam propina aos políticos. Simples assim.
Enquanto algumas empresas envolvidas avaliam a conveniência de questionar na Justiça a legalidade dos acordos de colaboração e das confissões que se seguiram, outras tentam reduzir as multas que receberam. A J&F, por exemplo, pede na Justiça redução do valor que concordou espontaneamente em pagar — o que, se deferido, representaria hoje algo em torno de 5 bilhões de reais. A Odebrecht, por sua vez, questiona a devolução do dinheiro que foi encontrado em contas que seus diretores mantinham clandestinamente no exterior. Um dos delatores que consultou a banca de advocacia de Brasília sobre a possibilidade de cancelar sua colaboração foi lembrado de que existem três ações penais contra ele paralisadas e que poderiam voltar a tramitar caso ele resolva questionar o ato. “Essa busca pela impunidade por pessoas ou empresas que confessaram os crimes ainda é resultado da reação política contra a Lava-Jato e do tratamento leniente dado à corrupção por nossos tribunais”, disse a VEJA o hoje senador Sergio Moro. Ressuscitar personagens e reviver fatos de um passado sombrio (e ainda muito presente) pode, de fato, não ser uma boa ideia.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829