O deputado André Janones (Avante-MG) era, até bem pouco tempo atrás, uma surpresa. Candidato à presidente da República, o parlamentar de primeiro mandato, sem expressão no Congresso, desconhecido pela maioria dos brasileiros e filiado a um partido nanico, chegou a registrar, logo na largada, índices de intenção de voto iguais aos de Ciro Gomes (PDT) e superiores aos da senadora Simone Tebet (MDB). O fenômeno encontrava explicação nas redes sociais, onde o congressista tem uma imensa legião de seguidores. São 7,9 milhões no Facebook, 2,8 milhões no Instagram e mais 1,5 milhão no YouTube — popularidade conquistada a partir de 2018 na famosa greve dos caminhoneiros que paralisou o país. Na época, apesar de nunca ter dirigido um caminhão, ele se apresentava como porta-voz do movimento. No início de agosto, o deputado surpreendeu ao anunciar a desistência da candidatura e o apoio a Lula. A aliança foi efusivamente comemorada pelos petistas, que acreditam ter herdado com esse movimento alguns milhões de votos. Mas não foi só isso.
Graças ao seu estilo espalhafatoso, André Janones é considerado uma celebridade nas redes sociais. Desde que se juntou à campanha de Lula, ele já atacou, provocou, desafiou, espalhou notícias falsas e fez acusações graves contra adversários sem apresentar nenhuma prova — tudo o que os petistas juravam que iriam combater na eleição. Jair Bolsonaro, por exemplo, já foi chamado de “assassino de mulheres”. O filho do presidente Carlos Bolsonaro, de “miliciano”, “vagabundo”, “merda” e outros adjetivos impublicáveis. O deputado já postou que o presidente vai acabar com o Auxílio Brasil e gravou um vídeo em frente ao Palácio do Planalto afirmando que havia sido agredido por “capangas” do ex-capitão. No domingo 28, ele arrumou um fuzuê nos estúdios da TV Bandeirantes, onde acontecia o primeiro debate entre os candidatos. Chamou os apoiadores de Jair Bolsonaro de “gado frouxo” e, por pouco, não saiu no tapa com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. As redes fervilharam. “Cheguei filmando e pedi que o Salles fizesse o que prometeu nas redes sociais, que desse porrada”, confessa o deputado.
Esse comportamento um tanto agressivo não é novo e já rendeu vários processos e pelo menos duas condenações por danos morais ao parlamentar mineiro. Em um deles, foi obrigado a pagar uma indenização a um ex-candidato a vereador depois de chamá-lo de “verme”. Em outro, invadiu uma audiência na Justiça, gravou e publicou um vídeo rotulando o depoente de “corrupto”. Na sentença, o juiz do caso escreveu que estava condenando Janones, entre outras razões, por expor pessoas “covardemente” a “situações vexatórias, de forma gratuita e desnecessária”. Na Justiça, o ex-candidato do Avante também foi acusado recentemente por um ex-funcionário de praticar rachadinha em seu gabinete no Congresso. E Carlos Bolsonaro (logo ele!) entrou com uma ação no Supremo contra o deputado, que garante não se preocupar. Ele classifica cada um dos processos a que responde como um novo “troféu” para sua coleção. “Infelizmente, às vezes, são necessárias reações fortes para conseguir dignidade para a população”, justifica, negando qualquer prática de rachadinha.
Para o PT, que costuma apanhar feio da militância bolsonarista no território virtual, Janones foi um achado. Coincidência ou não, dados levantados pela consultoria Arquimedes a pedido de VEJA mostram que desde o começo de agosto, quando ele entrou na campanha de Lula, os perfis do petista nas redes ganharam 1 milhão de novos seguidores, o dobro da média mensal. Não se sabe até que ponto o trabalho do deputado, que é evangélico e ex-militante do PT, influiu nesse resultado, mas certamente ajudou. “A presença do Janones traz um frescor e uma novidade. Ele se comunica rápido, com bastante didatismo e fura a bolha”, elogia o advogado Marco Aurélio de Carvalho, aliado e conselheiro do ex-presidente.
Essa avaliação, contudo, não é unânime. Na coordenação de campanha de Lula, há quem considere que o deputado cometeu certos exageros e que esses exageros podem acabar se voltando contra o ex-presidente. Não repercutiu bem, por exemplo, o post em que Janones escreve que Lula está a serviço de Deus. O post criou embaraços junto ao eleitorado religioso, especialmente entre os evangélicos, nicho em que o ex-presidente tenta, sem sucesso, romper a supremacia do adversário. Mas entre os petistas, de uma maneira geral, há um certo consenso de que a controversa participação de Janones na campanha até agora agregou mais aspectos positivos do que negativos, na medida em que reposiciona o PT num terreno estratégico dominado pela militância bolsonarista — não importando muito se à custa de palavrões, mentiras e baixarias.
Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805