Na sentença em que absolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros seis réus do crime de obstrução à Justiça no caso da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, assinada nesta quinta-feira, 12, o juiz federal Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, negou o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para anular a delação premiada do ex-senador petista Delcídio do Amaral.
Os procuradores alegavam que Delcídio mentiu em seus depoimentos, mas o magistrado entende que, embora não tenha havido provas suficientes para levar a condenações neste processo, há “indícios de que há veracidade” nos relatos do ex-senador em seu acordo firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Soares Leite observa que, embora não tenha apresentado provas suficientes no caso de Cerveró, Delcídio do Amaral teve o conteúdo de sua delação confirmada em outros processos da Operação Lava Jato, nos depoimentos de outros investigados, como o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci.
Ambos reafirmaram que Lula tinha total conhecimento das nomeações a diretorias da Petrobras e sabia dos desvios na estatal. Palocci ainda ratificou que o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, era um dos encarregados de “estruturar” o Instituto Lula.
“Resta, então, demonstrada a importância de suas declarações em outros processos de grande repercussão (e que corroboram os termos de sua colaboração), de modo que não se pode prescindir de sua efetividade. Não há dúvida, então, do atendimento de pelo menos alguns dos requisitos entabulados pelo artigo 4° da Lei 12.850/2013 [Lei que define “organizações criminosas” e prevê a delação premiada]”, escreve o magistrado.
O juiz federal também não vê problemas no aproveitamento, na delação de Delcídio, de anotações de seu ex-assessor Diogo Ferreira. “O próprio Código de Processo Penal permite que a testemunha possa utilizar-se de anotações, a fim de que se guie por elemento escrito. No caso, pode-se aplicar este fundamento. Delcídio realmente foi induzido pela agenda de Diogo, mas, depois, prontamente retificou esta situação, o que mostra sua boa-fé”, afirma.
No caso da suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró, Delcídio do Amaral foi gravado pelo filho do ex-diretor da Petrobras, Bernardo, combinando pagamentos mensais de 50.000 reais à família para que Cerveró, preso na Lava Jato, não fizesse delação premiada com o Ministério Público Federal. Por causa das gravações, divulgadas em novembro de 2015, Delcídio, então líder do governo Dilma Rousseff no Senado, foi preso. Ele passou 87 dias detido em Brasília e só deixou a prisão após fechar acordo de delação com o MPF.
Em seus depoimentos à PGR, o ex-senador relatou que se reuniu com Lula no Instituto Lula e foi orientado por ele a trabalhar para evitar que o ex-diretor da Petrobras fizesse delação premiada. Segundo Delcídio, o ex-presidente pretendia blindar Bumlai das revelações de Cerveró sobre o empréstimo feito pelo pecuarista no Banco Schahin, em 2004, destinado a campanhas do PT e compensado por um contrato de 1,6 bilhão de dólares da empreiteira Schahin com a Diretoria Internacional Petrobras, comandada pelo ex-diretor.
Para o magistrado, no entanto, Delcídio do Amaral não reuniu provas suficientes das conversas com Lula. “Seria a palavra de um contra a de outro réu, sendo a solução mais consentânea com o Código de Processo Penal a de que não há prova suficiente para ensejar um decreto condenatório”, decidiu.
Apesar desse entendimento no caso específico da compra do silêncio de Cerveró, o juiz federal entende que é “improvável” que os encontros no Instituto Lula tenham sido “apenas para conversar assuntos gerais ou, quando se mencionou o contexto da Lava Jato, apenas o caráter geral da operação”.
“Primeiro porque haveria prejuízo e desgaste ao Partido dos Trabalhadores e outros aliados com o prosseguimento desta investigação, como de fato ocorreu. Segundo porque Delcídio possuía interlocução com Nestor Cerveró, havendo situações que poderiam comprometer José Carlos Bumlai (amigo do ex-Presidente) por fatos que realmente beneficiaram o PT. Nesta toada, o esquema geral das circunstâncias também poderiam envolver o ex-Presidente, mais especificamente na manutenção deste esquema”, observa.
Ricardo Soares Leite também ressalta na sentença o “notório protagonismo” do ex-presidente na nomeação de diretores da estatal e a “ciência da partilha ilícita” por partidos aliados na petrolífera.
Leia aqui a íntegra da sentença.