Em 2018, a casa do empresário Paulo Marinho, no Rio de Janeiro, funcionou como sede do comitê central da campanha do então candidato Jair Bolsonaro. Foi lá que a equipe de televisão montou os estúdios de gravação dos programas eleitorais e onde se instalou a controversa tropa digital comandada por Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois do presidente. Muitos assuntos delicados e sensíveis que apenas mais tarde seriam conhecidos pelo grande público foram discutidos na luxuosa mansão, que ainda serviu de base operacional para futuros ministros, como Gustavo Bebianno e Paulo Guedes, e também figuras desconhecidas que depois se tornariam verdadeiras celebridades. Credita-se boa parte do sucesso eleitoral de Bolsonaro às estratégias, acordos e negociações que aconteceram nesse período.
A parceria de Paulo Marinho com o presidente, no entanto, durou pouco. Os dois romperam quando Bebianno, amigo do empresário e já empossado ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, entrou em rota de colisão com Carlos Bolsonaro, foi acusado de conspirar contra o presidente e acabou demitido. Quatro anos depois, Marinho volta a caminhar em direção ao centro do palco da próxima disputa presidencial. Filiado ao PSDB, ele quer emprestar a expertise que adquiriu na campanha passada para viabilizar uma candidatura capaz de atrair os votos de quem não quer Bolsonaro nem Lula. O tucano João Doria (PSDB), segundo ele, tem todas as condições de capturar essa fatia do eleitorado. Alguns movimentos do empresário, no entanto, têm alimentado certos rumores. Nos últimos meses, Marinho se aproximou do ex-juiz Sergio Moro, adversário de Doria na busca pela hegemonia da chamada terceira via.
No fim do ano passado, Paulo Marinho estava posicionado nas primeiras fileiras na solenidade de filiação de Moro ao Podemos. Doria, que também foi convidado, nem sequer apareceu. Na ocasião, o empresário e o ex-juiz se reuniram pela primeira vez. Algum tempo depois, Moro e Marinho jantaram juntos num restaurante em São Paulo. Uma terceira reunião aconteceu no escritório do empresário na capital paulista, encontro do qual também participaram integrantes do MBL, movimento de jovens que ganhou notoriedade durante as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Um parlamentar do Podemos contou a VEJA que, após essa aproximação inicial, as conversas se intensificaram. Entre outras gentilezas, Marinho teria se colocado à disposição da campanha do ex-juiz para ajudar no que fosse necessário.
A relação entre Moro e Marinho, embora recente, tem um ponto de convergência: ambos acusaram Jair Bolsonaro de ter utilizado estruturas do Estado para tentar proteger os filhos de investigações comprometedoras. Um mês depois que Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça acusando o presidente de interferir na Polícia Federal, o empresário, que é suplente do senador Flávio Bolsonaro, acusou o Zero Um de ter recebido informações sigilosas sobre a investigação do escândalo das rachadinhas que mirava o hoje notório Fabrício Queiroz, aquele ex-policial que foi o pivô do caso. Após se afastar do presidente da República, Marinho assumiu o comando do PSDB no Rio de Janeiro. Em 2019, ele reuniu empresários, políticos e jornalistas na mesma casa que abrigou o comitê de Bolsonaro para apresentar João Doria como o pré-candidato do partido. No ano passado, mudou-se para São Paulo para se dedicar à campanha do tucano. O aceno a Moro, por causa disso, foi interpretado como fumaça de traição.
Procurado por VEJA, Marinho garante que isso não existe. Seu objetivo é consolidar uma candidatura competitiva como alternativa a Lula e a Bolsonaro. “Nosso desejo é que esse grupo se entenda e consiga se encontrar em algum momento desse processo”, explicou o empresário. “Minha experiência de 2018 pode servir como aconselhamento para alguma candidatura ou algumas candidaturas. Tenho feito a boa intriga entre os grupos que estão na terceira via”, concluiu. O problema é que essas conversas acontecem num cenário em que as intenções de voto no presidenciável tucano têm flutuado entre 1,8% e 4%, o que, por si só, tem potencial para gerar inúmeras especulações.
Na terça-feira 22, durante um evento promovido pelo banco BTG, Moro e Doria voltaram a defender a unificação das candidaturas. A questão é saber quem vai abrir mão da disputa. “Acho muito factível que nós possamos nos unir em algum momento para enfrentar esses extremos”, acenou o ex-juiz, que registra entre 6% e 10% de intenções de voto nas pesquisas. E emendou: “Não faz sentido eu abdicar da minha pré-candidatura se ela é a com maior potencial de vencer esses extremos”. Diplomático, o governador de São Paulo até admitiu a possibilidade de abrir mão de sua candidatura em nome de um bem maior: “Se chegar lá adiante e, lá adiante, eu tiver de oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia do pesadelo de ter Lula e Bolsonaro, eu estarei ao lado daquele que será capacitado para oferecer uma condição melhor para o Brasil”, afirmou. Quem conhece Doria, um gestor obcecado e resiliente, sabe que o plano não é esse. Mas, se houver algum entendimento entre eles, Marinho certamente será o promotor da boa intriga.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778