Na mira de um pedido de impeachment na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e de inquérito na Procuradoria-Geral da República (PGR) que apura corrupção na área da Saúde em sua gestão, o governador Wilson Witzel, do Partido Social Cristão (PSC), visitou neste domingo a Assembleia de Deus Ministério Madureira, na Zona Norte. Católico, o ex-juiz federal estava com a primeira-dama Helena Witzel, também investigada. O pastor Everaldo Pereira, dono do PSC e principal articulador político do Palácio Guanabara, acompanhou o casal. Comandado pelo bispo Manoel Ferreira e pelo filho dele, Abner, o templo faz parte do roteiro de peregrinação de candidatos em campanha eleitoral na busca pelos votos dos evangélicos.
Witzel discursou aos fiéis, mas não citou o impeachment. Disse apenas que “Deus está cuidado de tudo”. Antes, ele participou das orações. Nos bastidores, porém, a ida do governador ao culto teve um propósito: selar um acordo com a Assembleia de Deus para ajudá-lo a se salvar na Alerj. Witzel quer que Abner interceda junto ao deputado federal Otoni de Paula (PSC) para que o parlamentar tente convencer deputados bolsonaristas a votarem contra o seu afastamento. Também pastor da Assembleia, Otoni é um dos principais defensores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso. O deputado está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em inquérito sobre apoio e financiamento de atos antidemocráticos.
Ex-aliados, Witzel e Bolsonaro são adversários atualmente. Otoni já atacou Witzel várias vezes nas redes sociais. O governador, por sua vez, apresentou ao STF uma queixa-crime contra o deputado federal por calúnia, injúria e difamação. Procurado por VEJA, Otoni disse que o pedido ainda não chegou até ele: “O pedido já nasce morto. Uma coisa é o Abner orar e recebê-lo na igreja. É o papel que o bispo sempre faz, respeitar as autoridades por mais que o problema dele (Witzel) seja grave. Se o governador pediu ao Abner, tenho certeza que não vai chegar a mim. Mas, se o pedido chegar por outra pessoa, o que eu vou falar? Vou mandar para onde? Para o inferno? É um absurdo, ridículo”.
Prefeito de São João de Meriti, cidade da Baixada Fluminense, Doutor João (DEM) participou do culto ao lado de Witzel, Helena, Everaldo e Abner. Ele é pré-candidato à reeleição e quer o apoio do governador. Em troca, Doutor João prometeu conseguir pelo menos um voto a favor de Witzel na Alerj: o do deputado e amigo Valdecy da Saúde (PTC). Em junho, Valdecy foi um dos 69 (de 70, no total) parlamentares que votou pela abertura do processo de impeachment contra Witzel. Aos fiéis, no púlpito, Doutor João afirmou que Witzel tem passado por “momentos difíceis”. “Foram decisões solitárias, mas que, graças a Deus, surtiram efeito”, declarou o prefeito, sem dar detalhes.
A Alerj recorreu da decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, sobre a formação de uma nova comissão especial para analisar o processo de impeachment de Witzel. A Assembleia pede que a decisão liminar de Toffoli seja “integralmente reconsiderada” e que a comissão especial formada anteriormente seja restaurada. “Reconsidere a respeitável decisão que deferiu a medida liminar nesta Rcl n° 42.358-RJ, restaurando-se, assim, a composição e o funcionamento da Egrégia Comissão Especial de Impeachment”, diz o requerimento apresentado pela Alerj ao STF.
Com o fim do recesso judiciário no último sábado, o relator original do caso, ministro Luiz Fux, analisará o recurso dos deputados. A liminar de Toffoli foi concedida depois de um pedido feito pela defesa de Witzel. Segundo os advogados do governador, há irregularidades no andamento do processo. Em paralelo, o governador negocia cargos e secretarias com deputados para evitar o impeachment.
Na eleição de 2018, Manoel Ferreira, presidente nacional das Assembleias de Deus, apoiou Jair Bolsonaro. A igreja de Madureira já foi muito frequentada por lideranças políticas que hoje estão presas por corrupção. Entre elas, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral; o ex-presidente da Alerj Jorge Picciani; e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.
Witzel assumiu em janeiro de 2019. Ele se elegeu no ano anterior graças ao apoio do clã Bolsonaro. Em menos de dois anos de mandato, houve uma enxurrada de denúncias. Witzel foi alvo da Operação Placebo, ação do Ministério Público Federal e da Polícia federal que vinculou o governador a fraudes na construção de hospitais de campanha para tratamento de pacientes com novo coronavírus. A atual gestão também é o centro de duas outras operações: Mercadores do Caos e Favorito, que levou às prisões do empresário Mário Peixoto, principal fornecedor de mão-de-obra terceirizada do governo, e a do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, entre outros suspeitos de desviarem dinheiro público em meio à pandemia de Covid-19.