A cena ao lado é parte do ensaio daquele que deve ser o momento mais tenso da posse de Jair Bolsonaro: os cinco minutos em que o presidente e a primeira-dama deixam o Congresso Nacional, onde ele terá sido empossado como o 38º presidente da República. As autoridades temem que Bolsonaro seja alvo de um novo atentado durante o trajeto, nos moldes do que aconteceu durante a campanha. Essa é uma hipótese levada a sério. Nos últimos dois meses, a Polícia Federal vasculhou sites e perfis na internet em busca de alguma possível ameaça. Encontrou várias, mas nenhuma que parecesse representar um risco real. Ainda assim, a cerimônia de posse, no próximo dia 1º de janeiro, em Brasília, foi classificada com o grau de alerta número 5, o nível mais alto de segurança.
Não há, por enquanto, nenhuma evidência concreta de um plano para atacar o presidente, mas as autoridades, por precaução, trabalham com o pior cenário — o de que alguém planeja um atentado. Partindo dessa premissa, montou-se o maior esquema de segurança da história para proteger uma única pessoa. A partir das 12 horas da terça-feira 1º, o espaço aéreo de Brasília ficará fechado num raio de 7,4 quilômetros em torno da Esplanada dos Ministérios. À exceção de um helicóptero e um drone autorizados, nada mais poderá sobrevoar a região.
Caças da Aeronáutica ficarão de prontidão e bases de lançamento de mísseis teleguiados estarão postadas em lugares estratégicos, prontas para abater qualquer aeronave que desrespeitar essa determinação. A medida tem o objetivo de prevenir, por exemplo, um atentado aéreo. Trata-se de uma hipótese improvável, mas não impossível. Em 1988, durante o governo Sarney, um sequestrador tentou jogar sobre o Palácio do Planalto um Boeing 737, com 135 passageiros a bordo. A tragédia só não aconteceu porque o piloto convenceu o sequestrador a entregar-se.
Desde que o então candidato Bolsonaro foi esfaqueado, as medidas de segurança para protegê-lo foram ampliadas. Para a posse, elas foram multiplicadas. Durante toda a cerimônia, o presidente eleito estará cercado por 46 policiais federais, instruídos a impedir a aproximação de qualquer pessoa não autorizada. Em Juiz de Fora (MG), onde ocorreu o atentado, havia cerca de vinte agentes no entorno do candidato. A diferença é que Bolsonaro estava no meio de uma multidão. O ataque se deu em menos de dois segundos. Na terça-feira, não haverá contato direto entre o presidente e a população. De acordo com o protocolo, Bolsonaro sairá da Catedral de Brasília em direção ao Congresso. De lá, depois de empossado, seguirá para o Planalto, onde ocorre a transmissão do cargo. Todo esse trajeto, de pouco mais de 2 quilômetros, é tradicionalmente realizado em carro aberto. No plano de um hipotético ataque, esse é o ponto crítico, a parte considerada mais vulnerável.
Pela primeira vez nos últimos cinquenta anos, o tradicional desfile em carro aberto pode não acontecer. O principal receio das autoridades é a ação dos chamados “lobos solitários” — um fanático religioso, um extremista político ou um doente que age por conta própria. O general Augusto Heleno, escolhido por Bolsonaro para chefiar o Gabinete de Segurança Institucional, é contra o desfile em carro aberto. No círculo mais próximo ao presidente eleito, o consenso é que ele não deveria se expor. “Por mim, ele vai no papamóvel”, diz Gustavo Bebianno, que chefiará a Secretaria-Geral da Presidência, em referência ao veículo blindado usado pelos pontífices desde o atentado a tiros contra João Paulo II, em 1981. Bolsonaro, que antes da campanha tinha preocupações extremadas com a própria segurança, vinha resistindo à ideia de quebrar a tradição. “Se morrer, enterra”, dizia ele, fazendo troça diante dos mais preocupados. Nos últimos dias, no entanto, ele mudou de opinião. “Em princípio, carro fechado”, disse o presidente a VEJA. A decisão final sobre o carro aberto caberá ao próprio Bolsonaro, e deverá ser conhecida apenas na hora da cerimônia.
Essa preocupação extrema com a segurança é uma novidade no Brasil. Em países que já foram alvo de ataques, é uma rotina que serve de lição. O serviço secreto dos Estados Unidos tem uma sala reservada para planejamentos operacionais. Nela, há fotos de atentados contra autoridades americanas — de John Kennedy a Ronald Reagan. A ideia é manter vivo na memória dos agentes o resultado trágico de uma falha de segurança. No Brasil, o ataque de Juiz de Fora foi exemplar nesse sentido. A superestrutura da posse vai envolver um contingente dez vezes maior que o da missão de paz no Haiti, em 2004. Ao todo, serão mobilizados mais de 10 000 homens das Forças Armadas e das polícias federal, civil e militar. Haverá ações de vigilância no ar, em terra e na água. Além de agentes e delegados da Polícia Federal que formarão um cordão em torno de Bolsonaro, trinta atiradores de elite estarão posicionados no alto do Palácio do Planalto, em monumentos da Praça dos Três Poderes e no Congresso. Em caso de ameaça, eles estão autorizados a atirar.
O esquema de segurança ainda envolve uma atuação disfarçada de oficiais da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e de policiais civis do Distrito Federal. Eles estarão infiltrados no meio do público, vestidos com camisetas de apoio a Bolsonaro. A Polícia Militar também colocará à disposição da cerimônia um efetivo de quase 5 000 homens, com cavalaria e cães farejadores, responsáveis por isolar com cercas o local do evento e proteger as 500 000 pessoas esperadas para a celebração. Barcos da Marinha vão patrulhar o Lago Paranoá, principalmente a margem que dá acesso ao Palácio da Alvorada, futura residência da família Bolsonaro. Os cuidados com a segurança também envolverão o público, que será revistado e obrigado a passar por quatro barreiras de triagem antes de chegar à Esplanada. Bolsas e mochilas serão proibidas. Nos pontos de acesso à cerimônia, haverá detectores de metal.
O Congresso Nacional e o Palácio do Planalto também terão um reforço significativo nas medidas de segurança. No dia da posse, só circularão pelos salões do Parlamento servidores, convidados e jornalistas — e todos terão de passar por detectores de metal e máquinas de raio X. Por precaução, as visitas públicas à Câmara e ao Senado foram interrompidas, e uma varredura em busca de explosivos será realizada na véspera da cerimônia. No Palácio do Planalto, foram instaladas cercas de metal que manterão o público a distância. No teto, dois atiradores estarão a postos.
Colaboraram Marcela Mattos e Gabriel Castro
Publicado em VEJA de 2 de janeiro de 2019, edição nº 2615