Na última segunda-feira (4), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, se cruzaram por volta do meio-dia no Fórum Exame, num hotel da cidade, e aceitaram o pedido dos fotógrafos para posar para uma desconfortável foto lado a lado. Nesta semana, contudo, a imagem tantas vezes captada de Doria com o então padrinho político tinha outro significado: era um termômetro do grau de tensão que a disputa entre eles no PSDB adquiriu para a escolha do candidato à Presidência da República. Um dia antes do evento, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo durante viagem a Paris, Doria havia admitido, inclusive, a possibilidade de deixar o partido.
O flerte de Doria com a candidatura ao Palácio do Planalto passou a incomodar Alckmin em maio, numa viagem juntos para um encontro com executivos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington (EUA). Na ocasião, pela primeira vez o prefeito não escondeu sua vontade de concorrer ao Palácio do Planalto. Diante do mal-estar longe do Brasil após a fala, Doria tentou amenizar e sacou uma selfie com Alckmin dentro do jato. Mas o estrago já estava feito. No retorno ao país, Alckmin ouviu de seus aliados que teria de ser mais assertivo nas declarações de que vai tentar a qualquer custo um novo voo a Brasília no ano que vem – em 2006, ele foi derrotado por Lula. Em agosto, contudo, o cenário piorou: nas palavras de um prefeito aliado no Estado, “ele entendeu que o Doria é candidatíssimo”. Além disso, o prefeito passou a atuar nos bastidores para colocar o governador de Goiás, Marconi Perillo, na presidência do partido em dezembro, enquanto Alckmin trabalhava pela permanência de Tasso Jereissati (CE) no posto depois que a Operação Lava Jato abateu o senador mineiro Aécio Neves.
Com Doria no retrovisor e as trocas de farpas públicas em escalada, Alckmin decidiu se mexer. A “vacina anti-Doria” envolve uma série de viagens pelo país, preferencialmente aos finais de semana, para sustentar o discurso de que, ao contrário do novo rival, ele não deixará o gabinete em dia de expediente. Deu entrevistas para rádios de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Uma delas, aliás, foi cirúrgica: o governador resolveu atender a um pedido de entrevista de uma rádio paraibana uma semana antes de Doria visitar Campina Grande (PB), no dia 31, para evento com lojistas ao lado do senador tucano Cássio Cunha Lima. Na entrevista, Alckmin tentou faturar dizendo ter emprestado bombas da Sabesp (a companhia de saneamento básico paulista) para o Nordeste, apresentou-se como o candidato à Presidência e fez questão de afirmar que estava mais preparado para governar o país do que há 11 anos. “Era muito difícil, o Lula e o PT eram muito fortes, mas isso mudou.”
Em São Paulo, acuado pela popularidade de Doria no eleitorado do interior cativo há mais de duas décadas, Alckmin armou encontros com prefeitos paulistas, num xadrez político para tentar conter a aproximação do adversário e reverter o deslumbre de aliados ao concorrente. Repassou em agosto 33 milhões de reais em convênios para 146 municípios e comprou 1.081 viaturas da Polícia Militar para distribuir pelo estado.
Um dos últimos encontros com prefeitos ocorreu na casa do tucano Orlando Morando, que administra São Bernardo do Campo, no ABC paulista, berço do PT, no dia 28 de agosto. Na sala, convidou os prefeitos a colocarem suas digitais em seu plano federal de governo e prometeu ser “o presidente que vai cuidar dos municípios”, com uma plataforma de melhora de arrecadação – dos 645 municípios paulistas, restam visitar onze neste mandato. Doria não foi convidado para o encontro. Paralelamente, o grupo do prefeito paulistano fez circular críticas de que falta ao governador “energia e criatividade” e que seu nome “não empolga além das margens das rodovias Anhanguera e Washington Luís”.
“Alckmin é o candidato natural se o PSDB seguir a regra da fila. Mas excluir Doria das tratativas será um erro”, contemporiza o anfitrião do jantar, Orlando Morando.
O governador paulista também passou a manter encontros semanais com economistas, como Pérsio Arida, Roberto Giannetti da Fonseca, Armínio Fraga e Joaquim Levy – jantou com os dois últimos na semana passada. Também encaixou na agenda uma conversa com o apresentador de televisão Luciano Huck na última segunda-feira, que tem dado sinais de desejo em embarcar na política pelas mãos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A próxima viagem do governador será para Minas Gerais, terreno onde a sigla tenta reverter o terremoto causado por Aécio. Acompanhado do senador Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador e candidato a voltar à cadeira, ele passará o próximo dia 18 em entrevistas e eventos na capital mineira. Também terá a tiracolo o prefeito Alexandre Kalhil, ex-presidente do Atletico-MG, eleito pelo nanico PHS como uma das novidades das urnas em 2016. Duas outras viagens estão programadas para setembro: Fortaleza, território dos irmãos Ciro e Cid Gomes, do PDT; e Recife, de Roberto Cláudio, o herdeiro político de Eduardo Campos no PSB. O PSB, aliás, é um dos trunfos que Alckmin tem usado para tentar atrair aliados: o discurso é de que só ele conseguiu uma união duradoura com o partido que orbita a esquerda – Márcio França, seu vice e sucessor, é do PSB.
Em dezembro, o PSDB fará sua convenção nacional para a escolha da nova direção e o possível lançamento do seu pré-candidato oficial caso não haja previsão de prévias — o governador tem dito que aceita, mas Doria não quer enfrentá-lo. “O desconforto vai ser diluído na convenção do partido porque o Doria disse que não vai disputar as prévias com o Alckmin. E o Alckmin é candidato”, diz o deputado Silvio Torres (SP), do grupo do governador.
Tucanos experientes, entretanto, afirmam que a corda será esticada até abril, prazo limite para quem pretende ir às urnas mudar de partido. Se depender do histórico de cisão do PSDB para escolher seus candidatos, não é difícil de acreditar.