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A redenção do “Bessias”, o novo advogado-geral da União

Mencionado numa conversa de Dilma Rousseff com Lula durante a Operação Lava-Jato, Jorge Messias trabalha firme para se livrar desse estigma

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h56 - Publicado em 28 jan 2023, 08h00
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  • Em 2016, um controverso capítulo da Operação Lava-Jato gerou um terremoto na República. O então juiz Sergio Moro retirou o sigilo de interceptações telefônicas captadas pela polícia e divulgou uma série de conversas de Lula, à época ex-presidente e alvo das apurações. Um dos grampos mostrava um diálogo entre ele e a presidente Dilma Rousseff no qual, segundo os investigadores, estaria em curso uma operação para blindar o petista de um eventual pedido de prisão. Na conversa, com uma voz um tanto anasalada, Dilma avisou que estava enviando um tal “Bessias” junto com um “papel” para ser usado apenas “em caso de necessidade”. O documento em questão era o termo de nomeação de Lula para a função de ministro-­chefe da Casa Civil, o que lhe garantiria a proteção do foro privilegiado. Já o mensageiro citado era Jorge Rodrigo Messias, homem de confiança da presidente que trabalhava na área jurídica da Presidência.

    Com base no áudio tornado público (e depois considerado ilegal), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu a manobra e impediu a nomeação de Lula. Dois meses depois, Dilma foi afastada em decorrência do processo do impeachment e, em 2018, o ex-­presidente acabou preso pela Lava-­Jato. Sete anos depois, os principais envolvidos no episódio estão de volta à cena. Lula foi eleito presidente do Brasil pela terceira vez, Dilma se tornou uma das figuras mais celebradas nos primeiros dias de governo e o servidor público que à época virou chacota por causa do sobrenome pronunciado de maneira equivocada virou o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) — a concorrida cerimônia de posse dele no cargo contou, inclusive, com um discurso do ministro Gilmar Mendes e da própria Dilma, que, desta vez, se referiu ao ex-assessor apenas como “meu querido”.

    áudio Lula Dilma

    É, sem dúvida, um tremendo recomeço para um servidor de carreira que foi obrigado a permanecer submerso durante tanto tempo em razão de circunstâncias que ele pouco ou nada tinha a ver diretamente com elas. Por ser eminentemente técnico, o novo cargo de Jorge Messias, embora tenha status de ministro, não costuma gerar visibilidade política, mas agrega poder e influência, na medida em que garante muita proximidade com o presidente da República por defender interesses da União e do próprio mandatário. Dada a essa relação, o posto virou uma espécie de trampolim para o Supremo Tribunal Federal. Três dos onze atuais ministros da Corte exerceram a função e foram indicados, à época, pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula e Jair Bolsonaro, respectivamente: Gilmar Mendes, José Dias Toffoli e André Mendonça. Já Messias, ao menos por enquanto, rechaça ambicionar qualquer voo mais alto. “Entendo que, do ponto de vista profissional, cheguei ao meu auge”, disse ele a VEJA (leia a entrevista).

    O protagonismo da AGU neste primeiro mês de governo tem chamado a atenção. À frente do cargo, Jorge Messias liderou as principais ações que apuram os atos do 8 de janeiro, dia em que vândalos invadiram e depredaram as sedes do Supremo, do Congresso e do Palácio do Planalto. Para o núcleo duro do governo, o país esteve diante de uma tentativa de golpe e, por isso, era necessária uma reação à altura. Enquanto Lula determinava uma intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal, coube ao ministro apresentar um controverso pedido de prisão de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro que ocupava o cargo de secretário — recurso acatado pelo STF. Sem especificar outros nomes, Messias usou a mesma ação para também pedir a prisão em flagrante de todos os envolvidos nas manifestações, inclusive dos agentes públicos suspeitos de participação ou omissão. Mais de 1 800 pessoas foram detidas e conduzidas a prestar depoimento horas depois dos ataques.

    Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal
    TRAJETÓRIA - Gilmar Mendes: o decano do STF foi AGU de Fernando Henrique – (Nelson Jr./SCO/STF)
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    Procurador concursado da Fazenda Nacional, o ministro foi além. Requereu à Justiça — e conseguiu — uma ordem para a desocupação dos acampamentos de manifestantes bolsonaristas montados nas imediações dos quartéis militares. Mais: pediu o bloqueio de 18 milhões de reais em bens de pessoas e empresas suspeitas de financiar os atos. O objetivo é que o recurso seja utilizado para ressarcir os danos causados pela destruição provocada pelos vândalos em Brasília — o valor ainda é preliminar e deve ser turbinado. Também foram solicitadas diversas medidas jurídicas direcionadas às plataformas digitais, com o objetivo de colher e preservar provas contra os criminosos, e foi criado um grupo de trabalho dedicado exclusivamente a acompanhar as investigações. Sob o argumento de necessidade de reparação do patrimônio, o colegiado poderá realizar pedidos de quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico e de acesso a investigações em andamento — algo não corriqueiro no âmbito da AGU.

    TRAMPOLIM - Dias Toffoli: o ministro ocupou o mesmo cargo no governo Lula -
    TRAMPOLIM - Dias Toffoli: o ministro ocupou o mesmo cargo no governo Lula – (Rosinei Coutinho/SCO/STF)

    Embora o assunto seja tratado com muita reserva, existe no governo a intenção de demonstrar que o ex-presidente Jair Bolsonaro esteve diretamente envolvido ou, no mínimo, incitou as manifestações que resultaram na baderna do dia 8 de janeiro. A Polícia Federal já investiga se essa relação realmente existe, mas a AGU terá participação relevante nesse trabalho. Ao ser indagado sobre o tema, no entanto, Jorge Messias desconversa. Afirma que todos os agentes públicos que tiverem participação comprovada nos atos antidemocráticos serão responsabilizados. “Desde que o ex-presidente Bolsonaro perdeu as eleições, uma parte dos apoiadores dele reclama pelo golpe. Ali se tem as vivandeiras que foram até os quartéis se colocar numa tentativa de obstruir o desejo da maioria da população, questionando o resultado das urnas”, diz.

    André Mendonça, juiz do Supremo Tribunal Federal —
    NOVATO - André Mendonça: no Supremo depois de chefiar a AGU de Bolsonaro – (Carlos Moura/SCO/STF)
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    Bessias — perdão, MESSIAS — vem trabalhando firme no novo posto. Logo ao tomar posse, o chefe da AGU surpreendeu quando anunciou a criação de uma Procuradoria de Defesa da Democracia. Um dos objetivos da repartição será combater grupos que espalham desinformação, montados, segundo o ministro, em bases profissionais, financeiramente rentáveis e com objetivo de desestabilizar as instituições. A proposta tem gerado polêmica por ainda não haver no país uma tipificação do que pode ser enquadrado como fake news e, diante dessa lacuna jurídica, dar margem, por exemplo, à censura em reportagens que desagradem ao governo. Pelo histórico das gestões petistas, é uma hipótese que não pode ser desconsiderada. O ministro, porém, garante que não há qualquer intenção de cercear opiniões ou a liberdade de informação e expressão. Acostumado a referir-se ao processo de impeachment de Dilma Rousseff como um golpe, ele afirma que o momento é de olhar para a frente e que o “Bessias” foi apenas um personagem de ficção criado para desestabilizar o governo petista. De agora em diante, ele quer ser lembrado apenas como um servidor de carreira que está cumprindo uma missão. Na verdade, várias missões.

    “A ideia era desestabilizar o governo”

    RISCO - Messias: “Uma parte dos apoiadores de Bolsonaro clama pelo golpe” -
    RISCO - Messias: “Uma parte dos apoiadores de Bolsonaro clama pelo golpe” – (Renato Menezes/Ascom/AGU/.)

    O estigma do “Bessias” o prejudicou de alguma forma? Se tivesse me atrapalhado, não estaria aqui. O Bessias foi um personagem de ficção criado pela Lava-Jato. A ideia era desestabilizar o governo. Eu tenho muita clareza disso. Acho que a sociedade teve plenamente acesso a todos os fatos, conheceu os lados da história, o Lula é hoje o presidente da República e me convidou para ser advogado-geral da União. Eu olho para a frente, tenho uma missão a cumprir aqui.

    Qual era o objetivo daquele documento citado no áudio? O termo de posse serve a um único propósito: dar posse a uma pessoa. O objetivo era dar posse ao presidente como ministro. A Lava-Jato pegou uma gravação de cinco horas, cortou em dez minutos para ser manipulada pela imprensa. Se você ouvir as cinco horas de gravação, vai entender exatamente a que se prestava.

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    O senhor acredita que houve uma tentativa de golpe no dia 8 de janeiro? Não tenho dúvida. Havia um desejo manifesto de abolir o estado democrático de direito. Atentar contra os símbolos da República, invadindo o Palácio, o Congresso e o Supremo, era uma etapa do processo. Ali já se tinha a informação de que a ideia era entrar, quebrar tudo e ocupar.

    E qual seria a próxima etapa depois da invasão? Se as sedes dos poderes estão ocupadas, não se consegue exercer plenamente os poderes constituídos. Era a tentativa deles. Desde que o ex-presidente Bolsonaro perdeu as eleições uma parte dos apoiadores dele clama pelo golpe. É bom lembrar que Brasília foi vandalizada no dia da diplomação do presidente Lula e depois se teve a descoberta de um atentado terrorista a bomba. Se tivesse explodido, seria uma tragédia inimaginável. O Afeganistão seria aqui.

    Há quem diga que as prisões foram exageradas, incluindo a do ex-secretário de Segurança do DF, já que ele estava fora do país. Um secretário de Segurança viaja para fora do país sem férias oficiais e sem avisar o governador? Ele assume a secretaria e muda os principais cargos da cúpula de Segurança Pública? São questões que ele precisa responder. Eu acho que a prisão cautelar, considerando a comoção pública, vem ao encontro dessa necessidade de ele se explicar.

    A AGU está chamando a atenção neste início de governo pela proatividade. Qual a razão de tantas frentes abertas? Nós estamos cumprindo o nosso dever constitucional. Estamos falando de uma sucessão de eventos que colaboraram para o dia 8 de janeiro que corroeu a imagem das instituições democráticas. É muito triste. A gente precisa explicar por que isso foi construído, foi deliberado. Não foi uma coisa à toa.

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    O senhor já anunciou uma frente de combate à desinformação. Como fazer esse monitoramento sem que ele se confunda com censura? Eu não vou fazer o papel da imprensa. Nós vamos, por outro lado, nos valer da atuação da imprensa. O trabalho das agências de checagem vai ser a fonte primária da nossa atuação. É um ecossistema organizado, profissional, financeirizado. Não vou ser fiscal de rede social. Não é nosso papel, nós não temos poder de polícia.

    A AGU se tornou uma espécie de trampolim para a cadeira de ministro do Supremo. Essa é uma pretensão do senhor? Não. Eu estou realizado profissionalmente. Tenho quase dezoito anos de carreira como procurador da Fazenda Nacional. Entendo que, do ponto de vista profissional, eu cheguei ao meu auge. Eu sou advogado público e, como tal, estou realizado profissionalmente.

    Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826

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