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A queda de mais um chefe

Em um golpe duro para o MDB, ex-presidente Temer é preso pela Lava-Jato do Rio de Janeiro, enredado em uma investigação de múltiplos casos de corrupção

Por Thiago Bronzatto, Leandro Resende e Jana Sampaio
Atualizado em 4 jun 2024, 15h33 - Publicado em 22 mar 2019, 07h00
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  • Na quinta-feira 21 de março, dia em que Luiz Inácio Lula da Silva completou 348 dias preso, um segundo ex-presidente da República foi conduzido à prisão preventiva. Em sua casa no bairro de Alto de Pinheiros, Temer acordou cedo, como de costume, tomou café da manhã, vestiu terno e preparou-se para ir a seu escritório de advocacia, localizado no bairro do Itaim Bibi. Antes de sair, Temer observou uma estranha movimentação de carros da imprensa na rua. No caminho, ligou para um ex-assessor perguntando se estava tudo bem. O ex-assessor informou então que recebera uma ligação de uma jornalista indagando sobre sua prisão. Alarmado, Temer desligou e imediatamente entrou em contato com seu advogado, que ficou de averiguar o que estava ocorrendo. Antes que isso acontecesse, o veículo que levava o ex-presidente foi interceptado na rua por agentes da Polícia Federal. Ainda dentro do carro oficial, Temer recebeu voz de prisão.

    Os agentes que prenderam o ex­-presidente cumpriam um mandado de prisão preventiva expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que, como se lê na frase destacada abaixo, considerou substantiva a suspeita de que Temer chefiava um esquema de corrupção. Não é trivial que um país tenha dois ex­-mandatários presos por corrupção — ainda suposta, no caso de Temer, e já confirmada por duas instâncias judiciais, no caso de Lula. Ainda é cedo para avaliar todos os motivos que conduziram a essa situação extraordinária, mas talvez seja o sintoma dramático de uma tempestade perfeita: o alastramento singular da corrupção nos negócios públicos somado ao histórico de impunidade que, por décadas, deixou tudo debaixo do tapete.

    Moreira Franco
    O FUJÃO – O ex-ministro Moreira Franco: propina de 4 milhões da Odebrecht e despiste da PF, que o esperava no aeroporto (Cristiano Mariz/VEJA)

    No domingo anterior à prisão de Temer, a Lava-Jato completou cinco anos. Foi com a investigação iniciada em Curitiba que começaram a ser desvendados os vícios mais graves da República. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que desloca o julgamento de caixa dois em campanha para a Justiça Eleitoral foi interpretada por muitos como um golpe fatal para o combate à corrupção (leia a reportagem). O mandado de prisão contra o ex-presidente e outros nove envolvidos — entre eles Moreira Franco, ex-ministro de Temer — reafirma a continuidade desse combate. Bretas tomou o cuidado de assinalar, em seu despacho, que “não há elementos que indiquem a existência de crimes eleitorais” nos casos que envolvem Temer e sua turma — ou seja: o juiz já se precaveu contra alegações de que o caso deveria ir, todo ele, para a Justiça Eleitoral. E frisou: “A hipótese é apenas de crime comum de competência desta Justiça Federal”.

    Todos os presos foram levados para o Rio de Janeiro. O primeiro a chegar foi Moreira Franco, que desembarcou pouco depois das 11 da manhã no Aeroporto do Galeão, já com a orientação de apresentar-se à PF. Em vez disso, ele foi direto para um SUV Volvo marrom que o esperava, com um homem ao volante. A polícia soube que Moreira Franco havia desembarcado e correu para interceptá-lo. Quatro pessoas confirmaram que o ex­-ministro tinha ido embora e descreveram o veículo. Os policiais entraram em um táxi e foram atrás. O taxista Paulo Roberto de Souza, de 52 anos, que trabalha há mais de dez anos no Galeão, contou a VEJA que estava de saída do portão A do desembarque doméstico, para atender a uma corrida agendada, quando os agentes da PF pediram sua ajuda. “Achei que era assalto, roubo de carga. Rio de Janeiro, né?”, diz. Não ligou o taxímetro e não cobrou nada pelo auxílio. Eles alcançaram o fugitivo depois de correrem por menos de 1 quilômetro na pista exclusiva para ônibus. Moreira Franco pediu para voltar ao Galeão no próprio carro, mas não foi atendido. Entrou em uma viatura. A Polícia Civil, acionada, foi até o Galeão fazer exame de corpo de delito. Ali, os agentes da PF decidiram aguardar a chegada de Temer, que vinha de São Paulo. Enquanto esperava, Moreira Franco comeu um lanche. Estava quieto e abatido. Temer chegou ao Galeão às 17h25. Os dois ficariam detidos juntos na Unidade Prisional da Polícia Militar em Niterói, onde se encontra o ex­-governador do Rio Luiz Fernando Pezão, também do MDB. Mas a defesa de Temer conseguiu que ele seja acomodado na sede da PF, em condições semelhantes às de Lula.

    João Batista Lima Filho
    AMIGO DE LONGA DATA –  Coronel Lima: operador dos negócios de Temer (Jefferson Coppola/VEJA)
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    A decisão do juiz Bretas tem 46 páginas e pouca consistência. Quem leu a peça percebeu que os fatos podem falar por si, mas o juiz não os alinhou de modo a dar maior solidez ao seu pedido. A base fática é a delação de João Antunes Sobrinho, sócio da empreiteira Engevix, já condenado a 21 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Sobrinho contou ter pago 1,1 milhão de reais ao coronel João Baptista Lima Filho, velho amigo de Temer, pelo contrato de sua empresa com a Eletronuclear, estatal responsável pelas obras da usina nuclear de Angra 3. A Eletronuclear é considerada uma histórica área de influência de Temer. Sobrinho ainda contou que, para ele, o coronel Lima era o elo de Temer. Em almoço que presenciou, no qual também estava o ex-ministro Moreira Franco, Sobrinho ouviu de Temer que Lima estava apto a tratar de qualquer assunto em seu nome. Depois desse almoço, a propina de 1,1 milhão foi devidamente paga ao coronel.

    Capa VEJA – A sombra do presidente
    TRÊS DÉCADAS –  Temer e “Limão”, na capa de VEJA: amizade antiga (//VEJA)

    O Ministério Público calcula que a “organização criminosa” que seria chefiada por Temer pode ter manipulado até 1,8 bilhão de reais. A conta dos procuradores inclui dinheiro público desviado, propinas pagas e até propinas prometidas. Mesmo assim, trata-se de uma cifra tão astronômica, e nascida de informações tão vagas, que tudo leva a crer que os matemáticos do Ministério Público gostam de aplicar zeros a esmo. Felizmente, Bretas não faz menção a essa bobagem para pedir as prisões. O juiz sustenta que os acordos entre a “organização criminosa” e as empresas que pagam as propinas seguiriam em vigor. A base técnica do pedido de prisão de Temer e de seus colegas foi justamente esta: a tese do “crime continuado”. Não é uma hipótese muito consistente, mas existe outro ponto mais forte. Diz o juiz que haveria um braço da quadrilha especializado em “dificultar as investigações” — o que é crime.

    O coronel Lima é amigo de Temer desde a década de 80, como mostra uma fotografia que estampou a capa de VEJA há um ano. Os investigadores suspeitam que Lima — que gosta de chamar a si mesmo de “Limão” — é o laranja do ex-presidente, a começar pelo caso da propina de Angra 3. Mas há outras suspeitas que ainda podem dar muita dor de cabeça a Temer. Além do Porto de Santos, outra área de reconhecida influência do ex-presidente há algumas décadas, as investigações apuram sua relação com a Odebrecht. Em delação premiada, executivos da empreiteira contaram ter repassado 10 milhões de reais ao MDB em 2014, via caixa dois, depois de Temer pedir ajuda financeira ao empresário Marcelo Odebrecht, durante um jantar no Palácio do Jaburu. A empresa confirmou ainda o pagamento de 4 milhões de reais em propina a pedido de Moreira Franco — quando este era ministro da Secretaria de Aviação Civil —, em troca da defesa de seus interesses no setor de aeroportos. A “quadrilha do MDB da Câmara”, assim chamada pelo Ministério Público, também brilha na delação dos donos da JBS, que narraram o repasse de 15 milhões de reais ao grupo do ex­-presidente, dos quais 1 milhão de reais foram entregues ao “Limão”. O dinheiro sujo embolsado seria usado, por exemplo, em imóveis da família de Temer. Oficialmente, uma das empresas do coronel reformou a casa de uma das filhas de Temer. A obra foi tocada pela arquiteta Maria Rita Fratezi, mulher de “Limão”, também presa na operação de agora.

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    Marcelo Bretas
    NOVAS CAUTELAS –  O juiz federal Marcelo Bretas: mandado de prisão que excluiu a hipótese de crime eleitoral (Custodio Coimbra/Agência O Globo)

    Com a prisão de dois ex-presidentes, o Brasil ocupa uma posição singular no mundo, mas a situação na América Latina, em particular, não tem sido muito diferente. No Peru, Ollanta Humala e sua mulher, Nadine Heredia, entre 2017 e 2018, amargaram nove meses atrás das grades por terem recebido 3 milhões de dólares de propina da Odebrecht. Também relacionado a envolvimento ilícito com a construtora brasileira está outro presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou no ano passado. Ainda no Peru, Alberto Fujimori (1990-2000) foi preso em 2007 e condenado a 25 anos de prisão em 2009, em razão de crimes contra a humanidade e acusações de corrupção. O ex­-presidente de El Salvador Francisco Flores (1999-2004), indiciado por crimes de peculato e enriquecimento ilícito, morreu em janeiro de 2016 em prisão domiciliar. Na Guatemala, uma fraude milionária nas alfândegas levou o ex­-presidente Otto Pérez Molina (2012- 2015) a renunciar após ordem de prisão em 2015. Em 2016, o ex­-presidente hondurenho Rafael Callejas (1990-1994) foi preso após assumir participação no escândalo de corrupção Fifagate. O ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli (2009-2014) não conseguiu escapar das garras da Justiça americana ao tentar pagar fiança por causa de escutas ilegais em seu governo e acabou sendo preso em Miami em junho passado.

    Posse de Dilma Rousseff
    O VICE-  Posse de Dilma, em 2011: na ordem da foto, prisão preventiva, impeachment e sentença em segunda instância (Paulo Whitaker/Reuters)

    Há casos semelhantes na Coreia do Sul, em Israel, em Portugal, na França. O Brasil, portanto, não é uma exceção — o que não torna menos grave a metástase da corrupção no Estado. Temer, que ocupou a cadeira presidencial depois do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, representa um partido que, nas últimas décadas, tem sempre ocupado seu lugar no poder. Agora, boa parte de suas lideranças está encarcerada, a começar pelo deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara e artífice do impeachment de Dilma Rousseff, e pelo ex­-ministro Geddel Vieira Lima, aquele que guardava 51 milhões de reais, nota sobre nota, em um apartamento vazio em Salvador. Aos poucos, o MDB vai traçando o mesmo destino do PT, e não se pode descartar que o próximo da fila seja o PSDB, cujo operador mais célebre, Paulo Vieira de Souza, está preso e ameaça fazer delação.

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    Câmara dos Deputados
    BLINDADO –  Sob protestos da oposição, o Congresso, em 2017, não autorizou a abertura de processo contra Temer (Lucio Bernardo Jr/VEJA)

    O desmonte de partidos tão relevantes em passado recente pode ter implicações no Congresso de hoje. Na última semana, deputados e senadores avaliavam que a prisão de Michel Temer talvez não afete a rotina das casas, já que o ex-presidente deixou o governo com índice de popularidade no chão, alvo de três denúncias da PGR, e se manteve distante das campanhas eleitorais e da vida parlamentar. Não se sabe se o mesmo entendimento pode se aplicar à prisão de Moreira Franco, que vem a ser casado com a sogra do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. A maior preocupação é deixar a reforma da Previdência a salvo da tempestade perfeita. “Não há nenhuma reação parlamentar ou impacto na pauta da Casa. Vamos pautar, ainda no primeiro semestre, a Previdência e, depois, o pacote anticrime”, garantiu Maia a VEJA. A agenda econômica é uma das principais bandeiras de Maia, que tem assumido, de modo indireto, a articulação do governo para conseguir aprovar as mudanças. O projeto, porém, enfrenta resistência entre os parlamentares — e o novo avanço da Lava-Jato sobre a classe política pode ser apenas um argumento a mais para que eles se esforcem para boicotar a proposta.

    Com reportagem de Marcela Mattos, Marcelo Rocha, Edoardo Ghirotto, Eduardo Gonçalves e Katia Mello

     

    Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

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