Se nada de novo acontecer nos próximos dias, o presidente da República deve indicar o advogado Cristiano Zanin para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou no início do mês. Pode parecer estranho, mas tem gente na oposição torcendo muito para que isso se confirme. Zanin, como se sabe, ganhou notoriedade ao defender Lula nos processos da Operação Lava-Jato. Ele não apenas conseguiu anular a condenação imposta ao ex-presidente por corrupção como invalidou as acusações que existiam contra o petista, livrando-o definitivamente da prisão, resgatando os seus direitos políticos, que haviam sido suspensos, e abrindo o caminho para o terceiro mandato. Nas últimas semanas, um grupo de senadores ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro tem se reunido para traçar as linhas gerais da estratégia a ser adotada pela oposição quando o tema começar a ser discutido. O objetivo é fazer barulho para tentar impor o máximo de desgaste político ao governo.
O ritual de escolha de um ministro do STF começa com a indicação de um nome pelo presidente da República, prossegue com uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e, por último, precisa ser aprovado por maioria no plenário. A última vez que o Congresso rejeitou uma indicação foi em 1894. Em sua maioria apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, os parlamentares planejam tumultuar e constranger o indicado, especialmente se ele for mesmo o ex-advogado do presidente. Sob reserva, um senador envolvido conta que o grupo não tem votos suficientes para barrar a candidatura, mas pretende aproveitar a oportunidade e a exposição que o caso terá para trazer de volta detalhes sobre as acusações da Lava-Jato que envolveram o atual presidente e o PT. Os movimentos dos bolsonaristas já foram captados pelo Palácio do Planalto, estão sendo avaliados, mas não chegam a preocupar.
Na peneira final de candidatos, além de Zanin, o governo ainda analisa os nomes do presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e do diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional Manoel Carlos de Almeida Neto. O advogado de Lula é o favorito, mas o páreo ainda não está 100% definido. De acordo com um ministro que acompanha o processo, ainda recaem algumas pequenas ressalvas sobre todos os candidatos. Zanin precisa mostrar que realmente será bem aceito pela maioria dos ministros do Supremo. Com amplo apoio político, Dantas, por sua vez, vem fazendo um ótimo papel no TCU e não seria um bom momento para tirá-lo dali. Manoel Carlos, que foi assessor de Lewandowski e tem o seu apoio, seria o indicado, caso Lula não estivesse tão empenhado em centralizar essa escolha.
Entre os supremáveis, a ofensiva da oposição é tratada com justificável descrédito. Formalmente, partidos contrários ao governo somam apenas 23 dos 81 senadores. Com otimismo, lideranças da oposição calculam que podem chegar a até 38 congressistas, contando com a adesão de políticos de partidos como o União Brasil e o PSD. Mesmo assim, o número não é suficiente para barrar a indicação, cuja aprovação depende de pelo menos 41 votos. O certo é que, se confirmado, Zanin vai enfrentar uma minoria disposta a fazer muito barulho. “Não tem como a indicação do Zanin não relembrar todos os crimes pelos quais Lula foi acusado. Ele já tem um posicionamento político-ideológico que contamina qualquer futuro voto no Supremo que eventualmente desagrade o presidente”, diz o senador Jorge Seif (PL-SC). Embora a estratégia não coloque a aprovação em risco, ela pretende reforçar o estigma de que a eventual escolha do defensor é um prêmio pelos serviços prestados.
Mesmo com chances nulas de sucesso, o palco já está sendo montado. Com quase 3 milhões de seguidores nas redes sociais, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) diz que vai começar a mobilizar seus apoiadores. “Como meu voto contrário não é suficiente, vou alertar a população que essa indicação seria imoral”, afirma. A oportunidade dada pela sabatina deve jogar luz também na “turma dos dez”, senadores bolsonaristas bastante críticos ao STF. Dela fazem parte nomes como o ex-juiz Sergio Moro, que já bateu de frente com Zanin e Bruno Dantas ao longo da Lava-Jato, e os estridentes Damares Alves, Magno Malta, Eduardo Girão e Marcos do Val. “Independentemente de quem for, estarei preparado para fazer uma sabatina séria sobre o histórico jurídico e a reputação do indicado”, garantiu Moro a VEJA. Até aí, tudo bem. Esse é o debate que se espera. Mas será difícil segurar o resto da patota.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839