Em toda a sua história, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já cassou vereador, prefeito, deputado, senador e até governador – das regiões Norte e Nordeste. Jamais, porém, a Corte determinou a cassação de um presidente da República. E não lhe faltaram oportunidades para isso: desde a redemocratização, todos os chefes do Executivo eleitos pelo voto popular foram alvos de processos que, em tese, poderiam ter levado à interrupção abrupta do mandato e à convocação de novas eleições. Todos eles escaparam ilesos.
Em outubro deste ano, as ações que investigam a chapa do presidente Jair Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão, vão trocar de mãos e ser herdadas pelo futuro corregedor da Justiça Eleitoral, ministro Mauro Campbell. Como informou a última edição de VEJA, a mudança de relatoria não deve alterar o desfecho aguardado dos processos — o arquivamento. Mesmo assim, os casos sobre o disparo de mensagens em massa disparadas pelo WhatsApp servem como um permanente instrumento de pressão contra o chefe do Executivo. “As ações eleitorais que se referem a uma espécie de abuso de poder e têm a capacidade de anular uma determinada eleição sempre serão uma ameaça para qualquer um que esteja sendo investigado”, aponta Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Mackenzie.
O retrospecto do TSE mostra a longa tradição do tribunal em não cassar os ocupantes do Palácio do Planalto. Fernando Collor, por exemplo, foi acusado de abuso de poder e prática de crime eleitoral pelo uso de servidores públicos de Alagoas na campanha à Presidência da República em 1989. O TSE concluiu que os funcionários participaram do ato pró-Collor por vontade própria e isentou o ex-presidente de responsabilidade criminal. Na data do julgamento, em abril de 1991, ele já havia sofrido impeachment.
No primeiro mandato, o tucano Fernando Henrique Cardoso foi acusado de ter recebido ajuda ilegal do governo Itamar Franco, como a promessa de usar inaugurações de obras para promover atos de campanha. No segundo mandato, a pedido do PT, o TSE investigou se FHC usou a máquina administrativa para influenciar o resultado da convenção do PMDB e forçar o partido a não ter candidato próprio nas eleições presidenciais de 1998.
Durante a campanha à reeleição, em 2006, uma investigação judicial foi aberta para apurar abuso de poder econômico e uso de caixa dois de Luiz Inácio Lula da Silva Lula (PT) na negociação de um dossiê contra tucanos, episódio que ficou conhecido como Escândalo dos Aloprados. Um ano depois, o TSE arquivou o caso por unanimidade.
De todos, o processo com maior potencial explosivo foi enfrentado pela chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer após a vitoriosa campanha de 2014. Uma série de depoimentos de delatores da Odebrecht e da J&F, no âmbito da Operação Lava Jato, turbinaram investigações que lançaram luz sobre o esquema de propinas no financiamento eleitoral – e trouxeram à tona desvios em escala bilionária na Petrobrás. No final das contas, por um placar apertadíssimo de 4 a 3, o TSE acabou decidindo desconsiderar as provas do petrolão e livrou a chapa de cassação. Na época do julgamento, Dilma já havia sido removida do Planalto após sofrer impeachment, mas o processo poderia encerrar a presidência de Temer e tornar os dois inelegíveis.
O processo contra Dilma-Temer reuniu mais de 8,5 mil páginas. O voto do relator a favor da cassação, Herman Benjamin, se estendeu por 14 horas ao longo de quatro dias. Mais de 60 testemunhas foram ouvidas. “Não se substitui um presidente da República a toda hora. A Constituição valoriza a soberania popular, a despeito dos valores das nossas decisões. A cassação de mandato deve ocorrer em situações inequívocas”, afirmou, à época, o ministro Gilmar Mendes, ao desempatar o placar a favor de preservar a chapa Dilma-Temer de qualquer punição. Até hoje, essas situações inequívocas ainda não apareceram, pelo menos na avaliação dos ministros, no que se refere ao presidente Bolsonaro.