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A bancada militar

Generais vão ocupar pastas importantes no governo Bolsonaro, e as ligações com a caserna também influenciaram a escolha de outros ministros

Por Gabriel Castro Atualizado em 4 jun 2024, 16h14 - Publicado em 30 nov 2018, 07h00
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  • O presidente eleito Jair Bolsonaro não pode ser acusado de estelionato eleitoral. Em agosto passado, durante a campanha, ele disse que colocaria “um montão de militar” no governo caso fosse eleito presidente da República. Agora, a menos de um mês de assumir o cargo, está cumprindo a promessa e fazendo dos generais a maior e mais poderosa bancada da futura administração. Até o fechamento desta edição, Bolsonaro ainda não havia escalado toda a sua equipe, mas é certo que nenhum partido político terá o protagonismo reservado aos seus antigos companheiros de caserna.

    Além do vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, o núcleo governista abrigará pelo menos outros quatro generais da reserva: Augusto Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (ministro da Defesa), Carlos Alberto Santos Cruz (secretário de Governo) e Maynard Santa Rosa (secretário de Assuntos Estratégicos), o único do quarteto que não terá status de ministro. O retrato é claro: os militares nunca acumularam tanto poder desde o fim da ditadura — e, agora, chegam ao Planalto pelo voto.

    Durante a corrida presidencial, o capitão da reserva explicou assim a sua predileção por companheiros de Exército: “Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”. No desenho atual, o generalato tem primazia até mesmo dentro do Palácio do Planalto, que terá apenas dois ministros civis em suas dependências, ambos com funções esvaziadas. O deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) chefiará a Casa Civil, e o advogado Gustavo Bebianno, a Secretaria-Geral da Presidência. Nas administrações petistas, a Casa Civil era sinônimo de poder, e por ela passaram nomes como José Dirceu e Antonio Palocci, ambos condenados à prisão na Operação Lava-Jato, e a própria ex-­presidente Dilma Rousseff. Na gestão Bolsonaro, a pasta será desidratada. Lorenzoni vai dividir as atribuições de articulador político com o general Santos Cruz, que comandou missões de paz da ONU no Congo e no Haiti (veja o quadro na pág. 57), e compartilhará as funções de coordenador da máquina administrativa com o general Mourão.

    PODER -  O general Mourão e Bolsonaro: o vice-presidente pretende cuidar também da máquina administrativa do governo
    PODER –  O general Mourão e Bolsonaro: o vice-presidente pretende cuidar também da máquina administrativa do governo (Cristiano Mariz/VEJA)

    Os generais já participavam da campanha presidencial, capitaneando discussões sobre o programa de governo de Bolsonaro. Com a vitória nas urnas, foram chamados a ocupar postos estratégicos da futura administração. No novo núcleo governista, o general Augusto Heleno é quem tem mais prestígio com Bolsonaro, sendo consultado sobre cada militar cotado para cargos de primeiro escalão. A ideia inicial era que Heleno comandasse o Ministério da Defesa, mas o presidente preferiu a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que fica no próprio Palácio do Planalto e tem sob o seu guarda-chuva a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que pretende fortalecer. “A Abin é o grande produtor de informações elaboradas para o governo. Informação é poder. E inteligência é a informação elaborada. Portanto, inteligência é um instrumento indispensável”, disse a VEJA. Com a ascensão dos militares, a área de inteligência voltará a ganhar musculatura.

    “Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”

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    O general Mourão também quer ter mais protagonismo do que sugere a posição de vice-presidente. Se conseguir, será uma reviravolta e tanto. Durante a campanha, Bolsonaro chegou a ordenar que o vice saísse de cena, depois de o general ter dado declarações que repercutiram mal entre os eleitores. Mas agora o presidente eleito estuda repassar a Mourão a tarefa de coordenar a máquina administrativa. A primeira missão será já em janeiro, quando Bolsonaro passará por cirurgia de retirada da bolsa de colostomia e, segundo os médicos, deverá ficar duas semanas em repouso. Nesse período, o comando do país será de Mourão.

    General Augusto Heleno
    PRESTÍGIO –  O general Heleno, que chefiará o Gabinete de Segurança Institucional: “Informação é poder” (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

    No entorno civil de Bolsonaro, há certo desconforto com a desenvoltura do vice e também um clima de desconfiança contra tudo e contra todos. Na quarta-­feira 28 à noite, Carlos Bolsonaro, filho do presidente eleito e seu maestro no universo digital, escreveu a seguinte mensagem numa rede social: “A morte de Jair Bolsonaro não interessa somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto. Principalmente após sua posse! É fácil mapear uma pessoa transparente e voluntariosa”. Carlos não explicitou a quem se destinava a mensagem, mas ela bastou para mostrar a intensidade do clima de suspeitas.

    Até aqui, a maior surpresa na bancada dos generais foi a escolha de Carlos Alberto Santos Cruz para comandar a Secretaria de Governo. Com cara de poucos amigos, ele parece ter sido convocado para intimidar deputados e senadores que cogitam propor ao governo a troca de apoio no Congresso por cargos, emendas e outras benesses. Diz Flávio Bolsonaro, senador eleito: “Aquele parlamentar que ainda não entendeu que a forma de fazer política mudou vai ficar para trás”. Os partidos torceram o nariz para a escolha, sob a alegação de que Santos Cruz é inexperiente na área. A tropa de Bolsonaro rebate fazendo um exótico paralelo entre política e ação militar: diz que o general comandou tropas da ONU em missões em países mais conflagrados do que o Congresso brasileiro. Para o cientista político David Fleischer, as atuações em missões de paz não são suficientes para qualificar alguém à árdua negociação com parlamentares. “Essas experiências exigem uma articulação com a sociedade civil, mas os civis do Congresso são muito diferentes. Os generais precisarão de bons assessores com conhecimento político”, diz.

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    Fernando Azevedo
    CASERNA – O general Fernando Azevedo, futuro ministro da Defesa (Cristiano Mariz/VEJA)

    A influência dos militares no governo Bolsonaro se espraia por toda a Esplanada dos Ministérios. A pasta de Ciência e Tecnologia será comandada por Marcos Pontes, que foi tenente-coronel da Aeronáutica e ganhou fama ao se tornar o único brasileiro a viajar para o espaço. Wagner Rosário, escolhido para a Controladoria-Geral da União, formou-­se pela Academia Militar das Agulhas Negras, assim como o presidente eleito. O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. E o escalado para os Transportes, Tarcísio Gomes de Freitas, é engenheiro formado no Instituto Militar de Engenharia (IME) e atuou na missão brasileira no Haiti. Com todos esses nomes, a bancada dos generais e de seus pupilos representa quase metade dos nomes anunciados por Bolsonaro para o ministério. De acordo com o cientista político Sérgio Praça, professor da Fundação Getulio Vargas e colunista do site de VEJA, o problema não é o tamanho do contingente, mas se os militares escalados têm preparo técnico para exercer as funções para as quais foram convocados. Praça elogia a escolha, por exemplo, para o Ministério dos Transportes, mas mostra ceticismo quanto ao futuro secretário de Governo: “O risco de haver uma bagunça na articulação política é imenso”.

    Com reportagem de Marcelo Rocha

     


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    O poder dos civis e dos partidos

    Onyx Lorenzoni e Gustavo Bebianno
    ENCOLHEU – Onyx e Bebianno: atribuições divididas com militares (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

    Enquanto os militares avançam sobre cargos estratégicos, os ministros civis do próximo governo perdem poder antes mesmo de assumir os cargos. Escalado para chefiar a Casa Civil, Onyx Lorenzoni achava que seria o soberano na coordenação da máquina administrativa e da articulação política. Errou no diagnóstico. Jair Bolsonaro colocou dois generais para dividir com ele essas tarefas. Ficou tão patente o esvaziamento das atribuições de Lorenzoni que o presidente eleito, numa tentativa de prestigiá-lo em público, o escalou para anunciar o nome de novos ministros na semana passada. Era para ser uma demonstração de força do auxiliar, mas o tiro saiu pela culatra. Diante das câmeras de TV, Lorenzoni foi desautorizado por Bolsonaro ao explicar por que o país desistiu de sediar mais uma conferência sobre o clima — decisão que teve péssima repercussão internacional.

    Já Gustavo Bebianno, que era onipresente na campanha eleitoral, comandará a Secretaria-Geral da Presidência, como queria, mas não terá sob seu comando a Secretaria de Governo, que ficará com o general Santos Cruz. Nos corredores do poder, onde o veneno azeita as conversas, políticos dizem que, na prática, Bolsonaro escalou bedéis militares para vigiar os civis. Para o presidente eleito, o desenho é o seguinte: Bebianno atuará com foco na desburocratização e no corte de desperdício, Lorenzoni fará o meio ­de campo com ministérios e governadores, e o general Santos Cruz cuidará da negociação com deputados e senadores, ajudado por Eduardo e Flávio Bolsonaro, que foram eleitos, respectivamente, deputado federal e senador.

    O arranjo tem enorme potencial para gerar disputas por poder logo no começo do governo, quando será deflagrada a ofensiva pela aprovação da reforma da Previdência. Mesmo governos talhados para a arte da política fracassaram ao tentar votar o projeto. A missão do general Santos Cruz é desatar esse nó. Bolsonaro tem consciência do tamanho do desafio, tanto que, aos poucos, vai fazendo o que disse que não faria — ceder aos partidos. Na semana passada, o PSL ganhou mais uma pasta na Esplanada e o MDB, finalmente, foi chamado a compor o ministério.

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    Gabriel Castro

    Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611

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