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Nizan Guanaes: “Nas redes sociais, parece que ninguém tem problema”

Publicitário conta como se reinventou para não sucumbir ao seu próprio ego, o que incluiu luta contra a depressão e tratamento para perder mais de 40 quilos

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 11h49 - Publicado em 7 out 2022, 06h00
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  • O baiano Nizan Guanaes, de 64 anos, viu sua vida tomar um novo rumo há quase duas décadas, após uma cirurgia bariátrica para perder parte dos 140 quilos que pesava. O procedimento, feito sem acompanhamento psicológico, fez com que ele começasse a beber de maneira descontrolada e só dormisse com a ajuda de remédios. Alertado por seu médico de que corria risco de vida, Nizan procurou ajuda com o psiquiatra Arthur Guerra. Mas, em vez de mais remédios, a receita foi exercício físico e foco na qualidade de vida. A mudança veio acompanhada também de outras decisões: em 2015, ele vendeu por 1 bilhão de reais seu grupo ABC, referência da publicidade no país. Desde então, define-se como um “ex-publicitário”, agora focado em sua nova empresa, a consultoria N Ideias. Mudou também a maneira como trata seus colaboradores: “Percebi que pessoas são mais produtivas se forem felizes”. Agora, ao lado do mesmo psiquiatra que o ajudou a mudar de vida, ele lança o livro Você Aguenta Ser Feliz?, da editora Sextante. Nizan conversou com VEJA por vídeo de Harvard, nos Estados Unidos, onde cursa um programa na famosa universidade voltado para líderes empresariais.

    No livro Você Aguenta Ser Feliz?, o senhor narra a superação de diversos dramas pessoais que o afligiam, mesmo sendo um dos publicitários mais bem-sucedidos do país. Por que decidiu compartilhar os altos e baixos da sua história? Você tem de ter uma vida com propósito. Não dá para viver uma vida só para si. Quando você tem o talento de se comunicar, é importante dividir isso com os outros. Por exemplo: as pessoas que vão fazer uma cirurgia bariátrica certamente vão ficar mais atentas ao processo do que simplesmente ir assim, na raça. Ou pessoas que têm vergonha de assumir qualquer tipo de processo depressivo. Me sinto feliz de poder fazer isso. Escrevi o livro com paixão, reli com medo e publiquei com coragem, pois ninguém gosta de se expor no mundo dos perfeitos e da perfeição, que é o mundo das redes sociais.

    Em 2006, o senhor pesava cerca de 140 quilos quando fez a cirurgia bariátrica, mas depois lamentou não ter feito o preparo correto. O que ocorreu? Parei de me pesar quando cheguei a 140 quilos. Meu pai morreu aos 45 anos, de infarto, e os irmãos dele também. Em 2006, eu estava diante de uma situação que exigia uma escolha. Só que não me preparei. A bariátrica é uma operação maravilhosa, mas perigosíssima. Meu médico perguntou se eu bebia e, como não abusava do álcool, fui lá e fiz. Mas é preciso ter apoio psicológico. A partir daí, eu comecei a ter um comportamento comum que é o abuso de alguma coisa. Alguns bebem, outros fumam, outros gastam. Eu digo que só não virei alcoólatra porque não gosto de bebida, mas comecei a ter comportamentos que nada tinham a ver comigo.

    “Ninguém gosta de mostrar suas fragilidades. Quase fiquei alcoólatra. Tive depressão. Todo mundo é maravilhoso no Instagram. Nas redes, parece que ninguém tem problema”

    A falta de apoio psicológico antes da cirurgia o levou a abuso? Em 2011, Roberto Kalil, meu médico cardiologista, disse que eu iria morrer se continuasse fumando, bebendo e comendo demais. Eu tomava remédio para dormir. Kalil, então, me indicou o Arthur Guerra — que, em vez de dar mais remédio, me botou para fazer esporte e cuidar do sono. Estou hoje aqui em Harvard e trouxe minha balança. Eu me peso diariamente e mando uma foto para o Guerra. Desde então, já fiz três maratonas, duas meias maratonas e um triatlo. Hoje estou com 96 quilos. Só não vou correr a maratona de Chicago porque surgiu uma hérnia na cervical. Brinco que ele me pegou quase alcoólatra e me deixou quase atleta.

    Seu livro seria de autoajuda ou saúde? Não gosto do rótulo de autoajuda. As pessoas tentam arrumar classificações para desqualificar, como se fosse um livro babaca. Temos de lembrar que antes de “ajuda” vem a “auto”. Todo mundo tem de fazer sua parte.

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    Em 2015, após a mudança de vida, o senhor vendeu o grupo ABC por 1 bilhão de reais. Enfrentou uma crise existencial por ficar sem seu negócio? Era uma crise normal. Todas as pessoas que vendem suas empresas passam por um momento em que você está perdido no meio do deserto. Isso é absolutamente comum na minha idade. Fiz uma venda boa do ponto de vista financeiro, mas precisei ressignificar minha vida — como ao apostar nesse curso que estou fazendo, aos 64, aqui na Harvard Business School, para lideranças de empresas. Aqui em Harvard conversamos muito sobre os desafios das pessoas que vendem seus negócios e precisam se reinventar. Meu psiquiatra fez até uma comparação com um grande jogador de futebol, tipo Ronaldo Fenômeno. Já fui um jogador, agora eu sou o técnico, sou o Guardiola, o cara que está do lado de fora do campo.

    E o senhor é disciplinado? Mark Twain dizia que você só chega longe comendo o que não gosta, bebendo o que não gosta e fazendo o que não gosta. Ninguém curte acordar cedo e no frio. Você gosta do que vem depois. O desafio é fazer coisas que não são saborosas naquele momento, mas que depois rendem frutos maravilhosos. Essa é a disciplina que prego. Eu sou de uma geração para a qual disciplina era uma coisa careta — mas hoje, para mim, é libertadora.

    Apesar do sucesso profissional, sua carreira acumulou também fracassos. Como lidou com eles? Não gosto de endeusamento. Meu mérito não é a perfeição. Costumo dizer que o livro é um striptease meu. Ninguém gosta de ficar nu na frente dos outros. Ninguém gosta de mostrar suas fragilidades. Tive depressão. Enquanto isso, todo mundo é maravilhoso no Instagram. Minhas palestras que fazem mais sucesso são aquelas em que eu conto os perrengues que passei. As pessoas veem empatia nisso, porque o fracasso não é criativo. Ele é repetitivo. Você se ferra pelas mesmas coisas. O sucesso é que é criativo. Eu sou uma pessoa de relativo sucesso e as pessoas tendem a achar que eu não errei.

    Por falar em Instagram, como é sua relação com as redes sociais? Quando vou dormir, meu médico me orienta a deixar o celular lá longe, no banheiro. O celular mata a saúde mental. Eu já cheguei a ter um tempo de uso de quinze horas. Estou tentando reduzir para cinco a sete horas. O celular é a nova droga que está enlouquecendo as pessoas e causando dependência. Digo isso porque é um vício que enfrento.

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    A publicidade na internet matou a publicidade tradicional ou ainda há espaço para grandes campanhas, como no passado? As duas coisas vão caminhar juntas e são complementares. A maior prova disso é o Big Brother Brasil, que é um programa de televisão de poder digital. Ou o Super Bowl americano. É preciso tomar cuidado com essas definições pétreas. Na última campanha presidencial americana, foi fortíssima a presença da televisão. Mas elas têm de jogar juntas. O futuro é “figital” (união do físico e digital). Sempre falo que uma das maneiras de pensar fora da caixa é pensar dentro da caixa. Porque tem muita oportunidade dentro da caixa.

    Campanhas publicitárias do passado, com tiradas machistas ou piadas preconceituosas, fariam hoje as marcas serem “canceladas”. O politicamente correto revolucionou a publicidade? A publicidade tem de acompanhar o tempo e as circunstâncias. É o desafio de ser criativo sem ser ofensivo. Como é ser engraçado dentro dos códigos de hoje? No mundo das redes sociais, uma coisa pode ter um estrago brutal na reputação de uma marca. É impossível estar imune a isso. Por isso, as agências têm hoje comitês de diversidade que analisam antes as coisas que serão veiculadas. É importante ouvir outras perspectivas e acompanhar os tempos.

    Por que o senhor se considera um ex-publicitário? Eu sempre digo que eu era um telefone. Hoje, sou um celular. Sou um ex-publicitário. Não estou cuspindo na indústria em que cresci. O tempo mudou. Antigamente, a propaganda era a alma do negócio. Hoje é a estratégia. Quando meus amigos me chamam de fênix, é sobre a capacidade de me reinventar. Jaime Lerner já dizia que quem cria nasce todo dia.

    Apesar disso, ao chegar aos 50 anos, em 2008, o senhor se definiu como alguém “destruído pelo sucesso”. O que quis dizer com isso? A publicidade é uma máquina de moer carne. Você não vê seus filhos, só vive no trabalho. Não tem mais relacionamentos. Não é uma coisa do Nizan. É uma coisa padrão desse mercado. Tanto que você vê as pessoas do mundo da publicidade se afastando das grandes estruturas para ter qualidade de vida.

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    “A publicidade é uma máquina de moer carne. Você não vê seus filhos, só vive no trabalho. Não tem relacionamentos. Tanto que as pessoas se afastam para ter qualidade de vida”

    O senhor já foi considerado um chefe rigoroso, que exauria seus funcionários. Arrepende-se dessa postura? O Nizan lá de trás era muito ignorante em relação a isso. Eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite e, sim, exauria minha equipe. Eu achava que sábado e domingo eram extensões da semana. Isso é uma ignorância. Uma das réguas da minha nova empresa é a felicidade. Pessoas felizes rendem mais, especialmente quando tem tempo para viver. Quem vive alimenta a criatividade. Eu tinha um raciocínio ignorante: “Eu pago e você vai ficar rico comigo. Mas eu vou exauri-lo”. Até hoje você vê esse comportamento em escritórios de advocacia e no mercado financeiro. Mas as pessoas querem mais qualidade de vida e elas são mais produtivas quando são felizes. Tenho uma régua muito simples: se você não gosta de fim de semana, está com problema no seu casamento. Se você não gosta de segunda-feira, está com problema no trabalho.

    Como o senhor lida hoje com sua saúde mental? Existe uma epidemia de problemas mentais. Veja a quantidade de suicídios, burnout, depressão. É o que eu falo: todo mundo é feliz no Instagram. E, se você olhar as redes sociais, parece que ninguém tem problema. Ninguém fala que teve depressão ou flertou com o alcoolismo. Não dá para ser feliz sem saúde mental. Pessoas que não dormem não têm a menor chance de ser felizes. Elas pensam mal, rendem mal.

    Ser hoje maratonista dá orgulho a um ex-sedentário? A triatleta Fernanda Keller me disse uma vez: “Nizan, você que é verdadeiro maratonista”. Ela disse que faz essa prova em três horas. Eu faço em sete. Só ganho de mim.

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    Afinal, o senhor aguenta ser feliz? Eu tento. Eu diria que estou com um nível de aproveitamento bom. Cerca de 20% das pessoas da humanidade já nascem com a felicidade na cabeça. A Donata, minha esposa, é uma delas. Ela já veio feliz de fábrica. Eu sou feliz porque me esforço, invento problema, fico ruminando as coisas. Eu não cheguei ao nirvana. Nós, os outros 80% da humanidade, temos de ser felizes por merecimento. As pessoas dizem: vou ser feliz quando eu tiver aquele carro, aquela casa. A gente está sempre postergando a felicidade. Não defendo um culto à felicidade. Temos dias ruins, em que você não quer levantar da cama. O que não pode é ficar ruminando por coisas pequenas.

    Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810

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