Com cinco mandatos no currículo, o deputado federal e atual líder da oposição na Câmara em Brasília, Alessandro Molon, 50 anos, acabou no centro de uma disputa de colorido local, mas que reverberou nacionalmente. Ele decidiu não arredar pé da candidatura ao Senado pelo Rio de Janeiro, mesmo que uma ala do PT, partido aliado de sua sigla, o PSB, tenha enfaticamente repetido que isso significaria a ruptura de um acordo — o postulante ao Palácio Guanabara, Marcelo Freixo, sairia das fileiras pessebistas, enquanto o petista André Ceciliano correria sozinho pela vaga de senador. “Eles é que expliquem de onde saiu essa história”, dispara Molon, cuja posição gerou alta tensão entre caciques da aliança que, na disputa presidencial, uniu Lula ao ex-governador Geraldo Alckmin. Em seu apartamento no Leblon, na Zona Sul carioca, ele, que ainda passou pela Rede, rememora a dolorida saída do PT, a quem tece críticas por não mirar a agenda ambiental como deveria, e garante que vai seguir firme na briga para não deixar a arena política.
Por que o senhor insistiu tanto em se manter candidato ao Senado, ainda que petistas graúdos sustentassem que isso seria uma quebra de acordo e ameaçaria a aliança PT-PSB no Rio? Antes de tudo, é preciso deixar bem claro: nunca houve qualquer acordo para que o PT lançasse sozinho o candidato ao Senado e eu ficasse de fora. Essa história vem à tona o tempo todo, é verdade, mas eu, como presidente estadual do PSB no Rio, garanto que jamais falamos nesses termos. O próprio Carlos Siqueira, presidente nacional da legenda, me autorizou a dizer que em nenhum momento firmou acordo dessa natureza com o PT. A turma que afirma tal coisa precisa esclarecer em que reunião se tratou do tema e quem assumiu, afinal, esse compromisso. Francamente, eu não sei.
Então o PT está mentindo? Os que teimam em repetir essa versão é que devem responder à pergunta.
Faria sentido o PT selar uma aliança encabeçada pelo PSB no terceiro maior colégio eleitoral do país sem colocar nenhum quadro seu em destaque no páreo? O Rio não é exceção. Tanto assim que em quinze estados houve alinhamento entre as duas siglas, em outros doze, não. Conversei inclusive com o alto escalão do PT nacional. Eles entenderam que o melhor era que a vaga ao Senado fosse minha, pelas chances que tenho, mas disseram que havia um pleito local que não estavam conseguindo contornar.
“Há uma pressão para tirar dinheiro da minha campanha. Gastar tempo para me asfixiar é um erro estratégico. Tem gente do PT que age para me desqualificar. É fogo amigo”
Nos bastidores, chegou-se a cogitar até um rompimento da aliança no Rio e em outros estados, como Pernambuco, em decorrência do impasse fluminense. Nem isso abalou sua convicção de seguir candidato? Esse caso está resolvido. Lula vai apoiar o nosso candidato, Marcelo Freixo, para o governo, e o André Ceciliano, do PT, para o Senado. E o ex-presidente terá seguramente o meu voto. Nunca, aliás, atuei para que o Ceciliano saísse da corrida, como fizeram comigo. Agora, acho tudo isso uma perda de energia à toa, justo numa etapa da vida democrática em que as forças progressistas precisam estar unidas para derrotar Bolsonaro em uma eleição que, já se sabe, não será nada fácil. Lembrando que, nesse espectro ideológico, sou eu que estou à frente nas pesquisas, o único com chances de vencer o postulante bolsonarista.
Os últimos levantamentos mostram o senhor bem atrás de Romário, do mesmo PL do presidente, o atual líder nas aferições. Considera estar diante de um oponente qualificado? Andam surgindo por aí fatos contra Romário que o desabonam para uma candidatura ao Senado, como, por exemplo, a ocultação de uma Ferrari na declaração de bens. Além disso, o que posso dizer sobre ele como senador? Que Romário foi um excelente jogador de futebol.
Procede a informação de que o PT, incluindo aí a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, pressionou o PSB para tirar dinheiro de sua campanha e que seu partido teria acatado? Sim, houve essa pressão, um grave erro, mas não sei ainda o que vai acontecer. A direção nacional do PSB não tomou uma decisão. Estou falando com eles para tentar reverter a tendência de que ocorra e, enquanto isso, para não ficar de mãos vazias nem ser pego de surpresa, lancei uma vaquinha, angariando doações. Mas repito: gastar tempo para asfixiar a candidatura de um aliado é um erro estratégico. Recebo ataques nas redes que não vêm de bolsonaristas, não. Tem gente do PT ali que age para me desqualificar. É fogo amigo.
Por que avalia que essas eleições presidenciais serão tão difíceis? Quem se fia nas pesquisas e acha o contrário está perigosamente equivocado. Bolsonaro detém o poder da máquina, que ainda pode repercutir de forma importante mais à frente, e conta com um generoso tempo de TV, que não teve em 2018. Também vai muito bem nas redes, melhor do que nós. O Paulinho da Força é que costuma dizer: “Governo é que nem cobra, até morto é perigoso”. Lula precisa mostrar alta capacidade de diálogo. Vai ter de contar com o apoio do MDB, sim, e já está atuando para abrir o leque. A própria escolha do Geraldo Alckmin como vice na chapa é um sinal inequívoco disso.
Tem conversado com Lula? Falei com ele lá atrás, em maio de 2021, em Brasília. Disse que sairia candidato ao Senado, e ele foi afetivo, reagiu bem. Voltamos a conversar em setembro, em uma reunião das direções do PT e do PSB. Nesse momento, estou tentando um encontro com Lula, pedindo ao responsável pela agenda dele que abra uma brecha para falarmos pessoalmente, mas, até agora, nada.
Apesar de sua saída do PT, em 2015, o senhor e Lula se dão bem? Ele sempre aparece sorridente ao meu lado. Quer ver a foto? Quando Lula não está satisfeito com alguém, mostra isso claramente com o rosto. Isso eu já sei. O sorriso não é o mesmo.
Muita gente diz que o senhor debandou do barco petista pensando em sua trajetória política, justamente quando ele estava afundando. Concorda? O PT não estava sabendo lidar com os problemas de corrupção que surgiam e eu avaliei que era hora de sair. Mas fico possesso quando me vêm com essa história de que eu fui ingrato. Até porque já tinha ido para a Rede, que apoiou maciçamente o impeachment de Dilma Rousseff, e mesmo assim me pus no alto da tribuna da Câmara para me pronunciar contra o afastamento. Não foi trivial deixar o PT, depois de dezessete anos e tantos laços. Não decidi de uma hora para outra, no impulso. E é claro que envolveu frustração e tristeza.
Afinal, o Lula vai fazer palanque duplo no Rio, apoiando Freixo e o candidato de Eduardo Paes ao governo, Rodrigo Neves, do PDT? Não vi qualquer confirmação desse papo. O que Lula afirma hoje é que o candidato dele ao Palácio Guanabara é o Freixo. É verdade que chegou a se cogitar que ele não daria mais o apoio, em razão da tensão justamente criada em torno da candidatura ao Senado, mas Lula continuou conosco.
Há registros de petistas participando de eventos em prol da candidatura do governador Cláudio Castro, do PL, que briga pela reeleição no lado bolsonarista. Como vê essas iniciativas? Buscar apoios é do jogo e eu mesmo estou trabalhando por isso, em várias frentes, mas há um limite: no campo bolsonarista eu não piso. Minha campanha, garanto, tem o pé numa canoa só. Dito isso, cabe ao PT explicar por que flerta com esses palanques.
Sua relação com Freixo segue tensa? Superamos os atritos do passado e estamos na mesma tecla agora. No começo de 2021, no auge da crise embalada pela pandemia, entendemos que eu, como líder da oposição na Câmara, e ele, o líder da minoria, precisávamos nos acertar. Felizmente, tivemos a sabedoria de não ficar esmiuçando as diferenças, remexendo as divergências para saber quem estava certo ou errado nesse ou naquele caso. Ia acabar virando uma nova briga, para quê? O nosso combinado é não tocar mais em nossas discordâncias.
O senhor anda dizendo que a agenda ambiental não entrou na campanha presidencial como deveria, nem mesmo no programa do PT. É falta de visão? A questão ambiental ainda aparece tímida, não está no centro das propostas progressistas, apesar de ser a principal agenda do mundo hoje. No Brasil, não caiu a ficha de que esta é uma oportunidade — do ponto de vista do emprego, da renda, da inovação —, e não um problema. O país tem tudo para liderar a transição verde, se quiser. Fiz um estudo com economistas da UFRJ contendo propostas para cumprirmos as metas do Acordo de Paris. Entreguei inclusive o plano nas mãos do Lula. Essa eleição precisa ser uma disputa olhando para o futuro, e não um debate fincado no passado, a respeito do governo de dois presidentes.
“Surgiram fatos contra o Romário que o desabonam, como a ocultação de uma Ferrari na declaração de bens. Posso dizer que, como senador, ele foi um excelente jogador de futebol”
O fato de temas da pauta progressista, como aborto e casamento gay, não serem postos a fundo em debate é um sinal de atraso da cena política brasileira? Acredito que a sociedade queira falar desses assuntos, mas discussões espinhosas dessa natureza são frequentemente usadas como armas nas eleições. O aborto, aliás, provavelmente virá à tona nos debates na televisão, já que o Lula tocou no tema tempos atrás.
O Rio de Janeiro, que já deu vitórias a Lula e Dilma, na última eleição preferiu Bolsonaro. Agora, segundo as últimas pesquisas, o presidente avança no estado. Acha que o perfil do eleitorado fluminense mudou? O que aconteceu no Rio foi o acúmulo de decepções com governantes em série. Em determinado momento, parecia que estava tudo dando certo e, de repente, eles estavam atrás das grades. Criou-se um vácuo, que Bolsonaro logo ocupou. O bolsonarismo foi gestado nestas praias. Os três senadores do estado são hoje do PL, um deles o próprio filho do presidente, e Cláudio Castro é mais do mesmo do que se viu nos últimos anos. É preciso reconhecer que o Rio de Janeiro ainda não conseguiu espantar os fantasmas que o assombram.
Como o senhor rebate a crítica de fazer parte de uma certa “esquerda caviar”? Esse é um rótulo criado pela extrema direita, que não pode ser repetido por quem, como eu, defende a democracia como valor inegociável. Basta ver minha agenda. Ontem, estava na Baixada Fluminense, fazendo campanha, e nos últimos vinte anos exerci mandatos comprometidos com as causas da esquerda.
Após tanto tempo na vida pública, ficar sem mandato o assusta? Vou lutar para me eleger e acredito que serei vitorioso. Se não der, estou preparado para engatar no direito, no qual me formei e ainda dou aula. Mas adoro a política. Ficar de fora dessa arena seria uma frustração.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804