É um fato inexorável, tão antigo quanto a civilização. As cidades portuárias têm os arredores de seu cais permeados de casas de prostituição para atender marinheiros, estivadores e toda sorte de tripulante. É assim em Tóquio, em Istambul, em Hamburgo, no Rio de Janeiro e em Santos, sem exceção. Em Amsterdã, cidade fundada em 1275 justamente por pescadores, não foi diferente — mas com uma insólita característica: as casas de entretenimento adulto se transformaram em incontornável atração turística.
O famoso Red Light District, o bairro da luz vermelha, que concentra hoje 292 vitrines onde mulheres exibem o corpo para fisgar clientes, é tão tipicamente holandês quanto as tulipas, os moinhos, Van Gogh, Rembrandt e Cruyff. E, no entanto, diante de tanto sucesso, de tanta procura, deu-se uma barafunda naquele canto da cidade. Assustada, a prefeitura decidiu mudar algumas regras para pôr ordem na bagunça. A partir de 1º de janeiro de 2020, os manjados tours guiados pelo distrito vermelho serão proibidos. Há vários objetivos nessa medida. “Evitar aglomerações em vielas pequenas, sem estrutura para receber tanta gente de uma vez só, e o contato de crianças com conteúdo pornográfico”, disse a VEJA Arre Zuurmond, ouvidor da cidade, encarregado de fazer as coisas andar bem. Há outra meta, não menos relevante: “Melhorar as condições de trabalho para as prostitutas”. Zuurmond recebeu 2 500 reclamações de moradores no ano passado, inclusive de maus-tratos com as profissionais que vendem o corpo. Segundo uma pesquisa feita com as mulheres registradas, para 80% delas a profusão de turistas piorou o ambiente de trabalho, como se fizessem parte de “um safári”, na melancólica definição de suas atividades.
A explosão das redes sociais ampliou a exposição indevida. Muita gente faz filmes e fotografias para depois postar o conteúdo sem autorização. Os mais sem noção passam longos minutos tentando fazer uma selfie com a mulher ao fundo, impedindo que ela se exiba de forma natural na vitrine. Ocorre que muitas — sobretudo as estrangeiras — trabalham sem que a família saiba como ganham a vida. Outro problema é o barulho em excesso e as brincadeiras de péssimo gosto, como bater nas vitrines enquanto elas estão trabalhando.
Desde o ano 2000, a prostituição nas janelas, ao contrário de quem faz ponto nas ruas, é legalizada. As trabalhadoras autônomas precisam fazer um cadastro na Câmara de Comércio, pagar imposto de renda e não ultrapassar jornadas de oito horas de trabalho. Os cômodos podem ser compartilhados, com alternância de turnos — os serviços funcionam dia e noite. Os proprietários dos imóveis alugam o período de oito horas por 120 euros, em média. A prostituta arca com os custos de roupa de cama, toalhas, água, luz, limpeza e apetrechos sexuais. O valor do programa varia de mulher para mulher, mas a média é de 50 euros por quinze minutos. A cidade de Amsterdã recebeu no ano passado 20 milhões de turistas, e esse número não para de crescer. Em 2018, 153 000 turistas brasileiros desembarcaram na capital dos Países Baixos — quase 30 000 a mais do que em 2016. A partir do ano que vem, quem visitar aquela parte da cidade verá um pouco mais de organização.
Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639
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