A Suprema Corte dos Estados Unidos defendeu em uma decisão desta segunda-feira, 29, os direitos ao aborto ao derrubar uma lei estadual de 2014 da Louisiana que impunha restrições aos médicos que realizavam o procedimento e que poderia deixar o estado com apenas uma clínica para a realização do procedimento. Acirrada, a votação foi definida pelo presidente da Corte, o juiz John Roberts, que é considerado o mais moderado dos magistrados conservadores da casa.
A decisão foi resultado de um processo movido pela cliníca de aborto Hope Medical Group for Women, da cidade de Shreveport, que poderia ter sido fechada pela lei estadual desafiada.
A medida do governo da Louisiana exigia que os médicos que realizam abortos tivessem um convênio formal com um hospital a, no máximo, 48 quilômetros de distância da clínica em que trabalham. Conhecida como “admitting privileges”, essa afiliação implica em o médico ter o direito de admitir seus pacientes no hospital conveniado.
Segundo o juíz federal que foi responsável pelo caso na primeira instância em 2017, John deGravelles, que também havia decidido a favor da Hope Medical Group, um médico de uma clínica em Nova Orleans seria o único profissional capaz de realizar aborto em todo o estado se a lei entrasse em vigor.
“Nos últimos 23 anos, [a Hope Medical Group], que atende mais de 3.000 pacientes por ano, tinha apenas quatro pacientes que precisavam ser transferidos para um hospital para tratamento. Independentemente de o médico ter ou não privilégios, o paciente recebeu os cuidados adequados”, decidiu deGravelles.
Atualmente, as cerca de 2,3 milhões de mulheres que vivem na Louisiana contam com apenas cinco médicos capazes de realizar aborto. Eles estão divididos em três clínicas diferentes — além das clínicas de Shreveport e de Nova Orleans, há uma terceira na cidade de Baton Rouge.
Em 2018, porém, um tribunal de segunda instância em Nova Orleans reverteu a decisão do juíz deGravelles, levando a Hope Medical Group a recorrer à Suprema Corte.
Ativistas pro-choice (a favor do aborto) e pro-life (contra o aborto) acreditavam que a Suprema Corte se manteria a favor da lei estadual da Louisiana tendo em vista que 5 de seus 9 juízes se alinham ao conservadorismo, tendo sido nomeados por presidentes republicanos — incluindo Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch, indicados do atual presidente, Donald Trump.
Presidente da Suprema Corte desde 2005, quando foi nomeado ao cargo pelo então presidente, George W. Bush, o juiz John Roberts, porém, votou junto aos quatro juízes liberais para derrubar a lei estadual da Louisiana.
Precedente no Texas
“A doutrina legal exige que, na ausência de circunstâncias especiais, tratemos [o caso] como [outros] casos semelhantes. A lei da Louisiana impõe um ônus ao acesso ao aborto tão severo quanto o imposto pela lei do Texas, pelas mesmas razões”, disse Roberts em sua decisão se referindo a outra lei estadual semelhante que a Corte derrubou em 2016.
A lei texana também exigia, dentre outros requisitos, o “admitting privileges” dos médicos que realizam aborto com um hospital a, no máximo, 48 quilômetros de distância da clínica em que trabalham.
“Continuo acreditando que a decisão [de 2016 sobre a lei estadual do Texas] foi errada. A questão hoje, no entanto, não é se [aquele caso] estava certo ou errado, mas se ele deveria ser adotada na decisão de hoje”, ressalvou Roberts.
As duas leis são “quase que palavra por palavra idênticas”, disse o juíz Stephen Breyer, que foi indicado à Suprema Corte pelo ex-presidente Bill Clinton na década de 1990.
“Concluímos que nenhuma dessas disposições oferece benefícios médicos suficientes para justificar os encargos sobre o acesso que cada um impõe. Cada uma coloca um obstáculo substancial no caminho das mulheres que procuram um aborto previsível… e cada uma viola a Constituição federal”, concluiu Breyer
Direito ao aborto
A Constituição americana, de fato, não fala explicitamente sobre aborto, mas o acesso ao procedimento é considerado um direito consitucional desde 1973, quando a Suprema Corte decidiu no caso Roe v. Wade que o aborto está associado ao direito à privacidade, que é protegido pelas 9ª e 14ª Emendas.
Segundo o instituto político pró-aborto Guttmacher Institute, até 1º de junho, dois estados tinham em vigor leis de restrição ao aborto que envolvem “admitting privileges” — Missouri e Dakota do Norte.
Leis semelhantes nos estados do Kansas e de Oklahoma estão suspensas temporariamente enquanto aguardam trânsito em julgado. Além da Louisiana e do Texas, os estados do Alabama, do Mississipi e do Tennessee tiveram leis de “admitting privileges” derrubadas permanentemente pelos tribunais.
(Com Reuters)