A sala do Museu do Louvre onde repousa solitária numa das paredes a Mona Lisa, tela em que o renascentista Leonardo da Vinci (1452-1519) cravou com suas revolucionárias pinceladas a figura de semblante enigmático que acompanha o visitante com o olhar, integra certamente o rol de atrações superlotadas em Paris — e não são poucas. Pois no domingo 28 o mais famoso de todos os quadros chamou a atenção não por sua aura misteriosa enfatizada pelo sfumato, técnica de imprimir uma névoa à imagem que Da Vinci deixou à humanidade, mas pela insensatez da qual foi alvo: duas ativistas que se infiltraram na multidão lançaram sopa de abóbora em direção à obra, tingindo de um insólito laranja o vidro que a protege. “O que é mais importante: o direito à arte ou o direito a uma alimentação saudável e sustentável?”, bradou uma das insurgentes, do grupo ambientalista Resposta Alimentar, ferindo o bom senso. Preservar tão bela expressão humana, afinal, não colide em nada com a mais do que necessária proteção do planeta — e nenhuma causa justifica tal comportamento. Atacar obras de arte para atrair os holofotes globais às questões ambientais, uma espécie de ecovandalismo, virou um mau hábito de vários desses movimentos, como o britânico Just Stop Oil, que outro dia atingiu, também com sopa (de tomate), Os Girassóis de Van Gogh. Xícara de café, torta e até ácido já haviam sido arremessados, por motivos variados, contra a própria Mona Lisa, que em 1911 foi surrupiada e achada na Itália. Felizmente, a sobrevivente pintura não sofreu danos agora, com o caldo de teor ideológico que a acertou, e sua protagonista segue com o sorriso firme e desconcertante.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878