Na última quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concordou em se encontrar com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, acendendo a esperança do fim das tensões entre os dois países. As relações entre as duas nações são conturbadas desde a Guerra das Coreias, na década de 1950, piorando durante a Guerra Fria. Porém, em 2017, o acirramento gerou temores reais de uma possível guerra.
Por esse motivo, diversos países elogiaram a iniciativa de diálogo e veem com expectativa o fim de um conflito que traria consequências para o mundo todo.
Segundo o especialista em Ásia e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, Alexandre Uehara, diante da agressividade americana no Iraque e na Síria, Kim Jong-un viu uma enorme necessidade de se proteger contra os Estados Unidos.
“Esse temor fez com que Kim Jong-un buscasse garantir alguma segurança e como a Coreia do Norte não resistiria a um conflito com armas convencionais, o caminho que ele encontrou foi desenvolver os artefatos nucleares”.
Ao iniciar testes com mísseis e armas nucleares, a Coreia do Norte causou temor nos vizinhos Coreia do Sul e Japão, provocando um dilema de segurança na região. Para se protegerem, os vizinhos pediram auxílio americano na forma de tropas e sistemas antimísseis, gerando ainda mais insegurança na Coreia do Norte. O regime de Kim Jong-un fez uma série de ameaças de retaliação aos Estados Unidos, respondidas no mesmo tom por Donald Trump.
Os Estados Unidos impuseram diversas sanções que proíbem o comércio com o país, enquanto China e Rússia tentaram enfraquecer as medidas — o temor de um colapso norte-coreano e o grande número de refugiados que isso provocaria preocupa a China, enquanto uma eventual guerra global encostada na fronteira chinesa e próximo ao leste russo é desinteressante para todos.
Os ressentimentos norte-coreanos pela invasão japonesa que só terminou ao fim da 2ª Guerra Mundial ainda são um grande peso nas relações bilaterais. O Japão não admite a possibilidade de uma Coreia do Norte nuclearizada e comandada por um regime volátil e tão próxima ao Japão. Além disso, 17 cidadãos japoneses sequestrados pela Coreia do Norte nos anos 80 e 90 nunca foram retornados, abrindo mais uma frente de atrito entre os dois países.
As relações extremamente tensas entre os dois países são primordialmente resultado da corrida armamentista da Coreia do Norte. Os norte-coreanos sentem-se ameaçados pela presença americana na Coreia do Sul e no Japão, enquanto os americanos pretendem impedir que o regime de Kim Jong-un desestabilize ou ataque seus interesses e parceiros no extremo oriente. A retórica desmedida de Trump encontrou um par na verborragia insana de Kim Jong-un e tornaram a possibilidade de uma guerra bastante real ao longo de 2017. A intermediação da Coreia do Sul parece ter esfriado os ânimos e o anúncio, em 8/3, de que Trump e Kim Jong-un se encontrarão em maio pode ser o prenúncio de uma nova fase nas relações bilaterais.
Relações bastante conturbadas. Por quase 10 anos após a Guerra Fria houve uma tentativa de aproximação entre os dois países. Com a ascenção de Putin e as aspirações de poder internacional crescente tem colocado a Rússia em choque com os EUA. A Crimeia, Síria, o asilo a Edward Snowden e as suspeitas de intromissão nas eleições dos EUA em 2016 intensificaram o clima de hostilidade.
EUA e China possuem uma relação de desconfiança mútua. Apesar do enorme volume comercial entre as nações, Trump vê os métodos de produção da China e seu superávit comercial como “injustos”. Os EUA também possuem questões com a China em temas como direitos humanos e liberdade de expressão. Além disso, por conta da influência chinesa na Coreia do Norte, os EUA pressionam a China a atuar mais fortemente na dissuasão da busca por armas nucleares pelo regime de Kim Jong-un. A hegemonia regional exercida pela China frequentemente entra em choque com as aspirações dos EUA e aliados locais na Ásia.
Os países possuem fortes intercâmbios culturais e ótimas relações militares, incluindo o compartilhamento de inteligência militar para a proteção contra a Coreia do Norte. No entanto, frequentemente os ressentimentos gerados pela invasão japonesa da península coreana durante a 2ª Guerra Mundial ainda afeta a parceria.
A China é a maior parceira comercial da Coreia do Norte, sendo responsável por 90% do volume de negócios dos norte-coreanos. Para os chineses, a prioridade é garantir que não haja um colapso da Coreia do Norte devido a aplicação de sanções da ONU, causando um fluxo de refugiados rumo a China. Outra preocupação é evitar um conflito de larga escala na península coreana com envolvimento dos EUA e Japão, que invariavelmente acabaria por afetar ou envolver a China.
China e Japão poussuem uma relação ambígua. Os dois mantêm ótimas parcerias comerciais, mas mantêm um clima de desconfiança. Os japoneses veem com cautela a expansão da hegemonia regional e financeira da China. Já os chineses, ressentem a invasão sofrida durante a 2ª Guerra Mundial por tropas nipônicas e desconfiam da estreita relação entre japoneses e americanos.
Disputas territoriais, por zonas marítimas de pesca e pela soberania das Ilhas Curilas, que já foram território japonês, tornam a relação complicada. O Japão vê na Rússia um importante parceiro em questão de segurança regional e na intermediação de tensões com a Coreia do Norte e a China.
As duas Coreias já estiveram diversas vezes próximas a um conflito. A retórica belicosa ocorre desde a Guerra das Coreias. No entanto, a ciência de que ambos lados da fronteira são habitados pelo mesmo povo torna a reaproximação entre os dois lados um objetivo constante. Os diálogos recentes entre a delegação sul-corena e o líder Kim Jong-un sugerem um possível novo capítulo nas relações.
Desdobramentos
O anúncio, por parte da delegação sul-coreana, de que Kim Jong-un convidou Trump para um diálogo e a resposta positiva do presidente americano gera grandes expectativas de um apaziguamento na região.
Para Uehara, incluir a Coreia do Norte nas negociações e no comércio internacional pode surtir mais efeito do que aplicação de sanções.
“Ao invés de caminhar para soluções conflituosas, a comunidade internacional poderia buscar uma política de engajamento com a Coreia do Norte, para que as relações dela com o mundo ficassem mais intensas e, dessa forma, tornasse um ataque por parte do Kim Jong-un custoso para ele próprio”, explica.
Após anos de relações hostis, as relações entre China e Coreia do Sul melhoraram muito desde 1992. A China é atualmente a maior parceira comercial da Coreia do Sul. Um dos pontos de contenda na relação, no entanto, é a presença de tropas americanas em território sul-coreano, motivo de desconfiança para a China
China e Rússia possuem ambições regionais e comerciais que não se sobrepõem a ponto de criar atritos sérios atualmente. Ambas cooperam estreitamente no setor energético e comercial a ponto de não utilizarem o dólar em transações mútuas. Além disso, o fato de precisarem exercer um contraponto regional aos EUA para proteger seus interesses na Ásia e no Oriente-Médio estreita ainda mais a relação entre os dois países.
A relação entre os dois países é pouco pujante, mas nos últimos anos, a Rússia tem substituido a China em termos comerciais. Com as relações entre China e Coreia do Norte fragilizadas, a Rússia tem atuado para auxiliar a Coreia do Norte a sobreviver as sanções internacionais.
As relações entre ambos melhoraram expressivamente desde as Olimpíadas de Seul em 1988. A Rússia é um importante canal de escoamento das exportações sul-coreanas para a Europa e ambas nações trabalham atualmente pela construção conjunta de um complexo industrial binacional.
Inimigos durante a 2ª Guerra Mundial, os EUA foram um dos principais apoiadores da reconstrução japonesa no pó-guerra. O trauma tornou o Japão um grande proponente da paz internacional e as aspirações políticas e comerciais para o Pacífico fazem os interesses de ambos países serem convergentes. Os EUA são também o maior parceiro comercial do Japão, que hospeda um grande contingente de tropas americanas. China e Coreia do Norte são também preocupações compartilhadas por americanos e japoneses.
Os dois possuem importantes relações comerciais e, principalmente, de segurança. Para proteger a Coreia do Sul de um possível ataque do norte, os Estados Unidos possuem bases no país e todos os anos realiza um treinamento conjunto com os sul-coreanos. Em 2017, os Estados Unidos instalaram um sistema antimíssil na Coreia do Sul que gerou críticas da China e da Coreia do Norte. A Coreia do Sul é em grande medida a responsável pela atual tentativa de entendimento entre norte-coreanos e americanos.
Arte: André Fuentes