O rei Charles III sinalizou, pela primeira vez, seu apoio a uma pesquisa sobre os vínculos históricos da monarquia britânica com a escravidão, depois que extensas evidências que ligam a família real ao tráfico transatlântico de pessoas foram expostas pelo jornal britânico The Guardian na quarta-feira 5.
Esta é a primeira vez que o Palácio de Buckingham declara publicamente que apoia uma investigação sobre a problemática história da realeza. Historiadores receberam o novo posicionamento com cautela. De acordo com diversos especialistas em escravidão, a realeza ainda precisa fazer muito mais a respeito.
A monarquia britânica divulgou a declaração depois que o Guardian revelou um registro da atuação de um antecessor de Charles em uma empresa de comércio de escravos. O documento inédito mostra uma transferência de 1.000 libras em ações da Royal African Company, em 1689, para o rei Guilherme III.
Edward Colston, vice-presidente da empresa de comércio de escravizados, foi responsável pela transação. O comerciante inglês se tornou uma figura notória desde que historiadores e ativistas passaram a questionar sua fama de “benfeitor da cidade”. Em 2020, em meio aos protestos do movimento Black Lives Matter, manifestantes derrubaram sua estátua em Bristol.
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O arquivo foi encontrado pela historiadora Brooke Newman, da Virginia Commonwealth University, em uma viagem de pesquisa a Londres em janeiro. A especialista está trabalhando no livro The Queen’s Silence (“O Silêncio da Rainha”, em tradução livre), que conta a história do envolvimento da monarquia britânica na escravidão e a reticência da instituição em reconhecer seu controverso papel.
Segundo a historiadora, a transferência da Royal African Company para o rei Guilherme III oferece “evidências claras” da importância da escravidão para a riqueza da monarquia.
“Os lucros do comércio de escravos e das indústrias construídas com o trabalho de pessoas escravizadas financiaram a expansão do império, que gerou uma vasta riqueza adicional para a Grã-Bretanha e suas famílias reais”, afirma Newman.
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Apesar de Buckingham não ter comentado sobre o documento, afirmou apoiar um projeto de pesquisa que explora as ligações entre a monarquia britânica e o comércio transatlântico de escravos durante os séculos XVII e XVIII.
A investigação começou em outubro passado e é co-patrocinada pela Historic Royal Palaces (HRP), que administra vários palácios. A família real, além disso, permitiu o acesso dos pesquisadores envolvidos à coleção real e aos arquivos reais.
Financiado pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanidades, a pesquisa é supervisionada pelo professor Edmond Smith, da Universidade de Manchester, e é fruto do projeto de doutorado da historiadora Camilla de Koning, conduzido na mesma instituição.
Um porta-voz do palácio afirmou que o processo de reparação continuou “com vigor e determinação desde a ascensão” do rei Charles.
“Esta é uma questão que Sua Majestade leva profundamente a sério. Como Sua Majestade disse à recepção dos chefes de governo da Commonwealth em Ruanda no ano passado: ‘Não consigo descrever a profundidade de minha tristeza pessoal pelo sofrimento de tantos, enquanto continuo a aprofundar minha própria compreensão do impacto duradouro da escravidão’”, disse um porta-voz do palácio.
O rei da Inglaterra, no entanto, foi criticado por ativistas e representantes dos países caribenhos, onde escravizados foram forçados a trabalhar em plantações de propriedade britânica por gerações. Segundo eles, apenas expressar tristeza generalizada e não reconhecer explicitamente o papel da monarquia não é o suficiente.
A declaração mais recente é o passo mais próximo dessa admissão que a família real britânica já deu.