A morte da juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, Ruth Bader Ginsburg, às vésperas da eleição presidencial movimentou o país nos últimos dias. Enquanto os democratas protestavam para que a escolha de um substituto fosse deixada para depois da votação, o presidente Donald Trump não levou nem oito dias para nomear uma substituta aliada dos republicanos. A escolhida foi a juíza conservadora Amy Coney Barrett, favorita dos conservadores religiosos e conhecida por suas opiniões anti-aborto.
O presidente americano já havia anunciado sua intenção de colocar Amy na corte há dois anos, quando escolheu o jurista Brett Kavanaugh para ocupar o lugar de Anthony Kennedy, que se aposentou. Na época, disse que sua próxima indicação seria certamente da conservadora.
Aos 48 anos, Amy é católica e mãe de sete filhos, dois dos quais foram adotados no Haiti após o terremoto de janeiro de 2010. Serve atualmente como membro do Tribunal de Apelações do 7º Circuito de Chicago. Natural de Nova Orleans, foi nomeada para o cargo na corte também por Trump, em 2017. Durante sua sabatina no Senado foi questionada diversas vezes sobre sua religiosidade e como ela poderia interferir em seu julgamento.
“O dogma vive dentro de você. E isso é algo preocupante”, disse a senadora Dianne Feinstein, da Califórnia, ao deliberar sobre a questão. Entretanto, os protestos dos democratas não foram suficientes e Barrett foi nomeada como magistrada. Sua indicação para a Suprema Corte também deverá passar pelos senadores, mas deve ser aprovada facilmente, com a maioria republicana na Casa.
Amy, que também é professora de direito da Universidade de Notre Dame em Illinois, será a integrante da Suprema Corte com menos experiência como juíza. Em seus quase três anos no tribunal de apelações, porém, a advogada deixou muito claras algumas de suas mais controversas opiniões.
Quando se trata de aborto, direitos de imigrantes, liberação do porte de arma e liberdade de expressão, Barrett sempre se manteve firme em sua posição como conservadora. Democratas e liberais temem que sua indicação pode resultar em um retrocesso em todas essas pautas.
No início deste ano, Amy foi a única juíza da corte de 11 magistrados a votar contra o bloqueio de uma política de imigração proposta por Trump para dificultar o acesso de imigrantes a benefícios sociais.
Em 2018, foi novamente a única a votar de forma favorável a uma proposta de lei para que mulheres que decidissem fazer aborto em Indiana fossem obrigadas a organizar um enterro ou cerimônia de cremação para os fetos. Também apoiou uma segunda revisão que pretendia proibir a interrupção da gravidez baseada em sexo, cor e algum tipo de deficiência do feto.
Religiosidade
Desde que se tornou juíza da corte de apelações Amy foi vítima de muitas críticas por sua religião. Organizações da sociedade civil monitoraram de perto suas decisões, enquanto membros da Igreja Católica chegaram a acusar seus críticos de preconceito religioso.
Na semana passada, uma reportagem da agência Reuters também causou tumulto ao afirmar que a magistrada faz parte da comunidade cristã People of Praise (Povo de Louvor, em tradução literal). O grupo ultraconservador é classificado por alguns como uma mistura incomum de tradições católica romana e pentecostal, enqaunto outros o comparam à sociedade machista e patriarcal do romance de Margaret Atwood “The Handmaid’s Tale” (O Conto da Aia), que deu origem à série de TV.
Amy não confirmou se é ligada ao grupo e o porta-voz da organização se recusou a comentar o assunto, mas os rumores de que a futura juíza possa estar envolvida na comunidade radical causaram ainda mais preocupação entre os opositores de Donald Trump.
O People of Praise tem cerca de 1.700 membros nos Estados Unidos, Canadá e Caribe e foi fundado em 1971. Seus membros mais dedicados assumem um compromisso vitalício com o grupo, conhecido como convênio.
Uma ex-membro da organização descreveu o grupo como uma seita abusiva em que as mulheres são completamente obedientes aos homens e os pensadores independentes são humilhados, interrogados, envergonhados e rejeitados. “Muitas de nós sofremos da síndrome de Estocolmo e muitas das mulheres tomavam antidepressivos e tranquilizantes”, disse ela à Reuters.
A Suprema Corte
Assim como no Brasil, a nomeação de juízes para a Suprema Corte cabe ao presidente da República. O Senado vota para confirmar – ou rejeitar – a escolha. Os nove membros da corte tem cargo vitalício e só deixam seu posto em caso de falecimento ou aposentadoria voluntária.
Ginsburg, que serviu por 27 anos, fazia parte dos quatro juízes liberais da corte. Um ícone liberal e paladina do feminismo, morreu de câncer de pâncreas em sua casa em Washington.
Atualmente, a corte conta com cinco conservadores, embora o atual presidente do tribunal, John Roberts (nomeado pelo presidente George W. Bush), tenha votado com a ala liberal em algumas decisões recentes. Com a escolha de Trump, porém, os magistrados mais tradicionalistas estarão em maioria absoluta.
Decisões importantes podem assim ser influenciadas pela agenda dos juízes. Além disso, deliberações históricas do tribunal, como no caso do aborto, correm o risco de ser revertidas.