Desde que a oposição na Venezuela fez sua mais ousada manobra contra o regime de Nicolás Maduro ao estabelecer um governo paralelo liderado pelo jovem Juan Guaidó, com a chancela de mais de cinquenta países, inclusive o Brasil, já houve diversos momentos em que o mundo todo apostou que o chavismo não duraria nem mais um dia. Mas durou — e o que explica sua improvável resistência é o apoio de militares que se alimentam do poder e das superpotências Rússia e China. Nesse jogo geopolítico, os Estados Unidos vêm estrangulando há mais de uma década a economia venezuelana à base de sanções. Um novo pacote delas, anunciado na segunda-feira 5, foi visto como o mais duro até hoje. Ele congela 100% dos bens ativos do governo chavista nos Estados Unidos, recrudescendo algo que já acontecia parcialmente, e ainda prevê punições a empresas americanas e estrangeiras que selarem negócios com a Venezuela. O último país ocidental que encarou um baque dessa envergadura vindo de Washington foi o Panamá, nos anos 1980.
Um dia depois do torpedo lançado pelos Estados Unidos, convidado para a reunião do Grupo de Lima (justamente formado por países da América Latina para chegar a uma solução sobre o vizinho em crise), o assessor de segurança nacional do governo Trump, John Bolton, enfatizou ser preciso “isolar internacionalmente” a gestão Maduro e “agir”. Alinhado de primeira hora dos Estados Unidos, o Brasil fez seu próprio gesto anti-Maduro: sinalizou a possibilidade de proibição de entrada no país de uma lista de funcionários de alto quilate da Venezuela. Também convidados para o encontro de Lima, integrantes da União Europeia expuseram o temor de que as sanções americanas acabem por respingar em suas multinacionais em Caracas. Centenas de empresas europeias, como a francesa Air France e a anglo-holandesa Unilever, investem cerca de 16 bilhões de dólares na economia venezuelana.
Em outra ação, uma iniciativa encabeçada pela Noruega tenta costurar uma saída negociada para o impasse. O pacote americano, para essa turma, tem o efeito de um elefante em uma loja de cristais. Inicialmente muito desacreditadas, agora um pouco menos, as conversas que se desenrolam em Barbados ao menos puseram frente a frente governo e oposição venezuelanos — sem, no entanto, trazer nenhum sinal claro de desenlace para o imbróglio. Chegou a circular nos bastidores do encontro que representantes do governo chavista teriam acenado com a antecipação das eleições presidenciais, marcadas para 2023. Mas não houve confirmação oficial.
Ninguém discorda de que as sanções dos Estados Unidos contribuirão para fechar o cerco a Maduro. A questão é saber se será esse o tiro de misericórdia no regime ditatorial que vem arrastando milhões ao desemprego e à pobreza e que já levou mais de 10% da população a procurar abrigo fora da Venezuela — uma parcela considerável no Brasil (assista ao vídeo sobre os refugiados venezuelanos ao final da matéria). O especialista em economia internacional Ricardo Mendes avalia que generais e demais integrantes da alta corte de Maduro que atuam hoje nos setores de agronegócio e petróleo, produto que já deu tanta bonança ao país antes conhecido como “a Arábia latino-americana”, terão dificuldades em manter suas operações. Quem sabe aí não começam a achar menos interessante ficar sob as asas do atual regime? “Sob o risco de serem penalizados comercialmente pelos Estados Unidos, será difícil encontrar intermediários dispostos a concretizar transações comerciais com a Venezuela”, avalia Mendes. Agora é seguir acompanhando os próximos passos dessa arrastada novela venezuelana.
Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647
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