A primeira impressão sobre Donald Trump: o topete. Vasto, amarelo em degradê, domado por escova. O homem se encontrava perfeitamente instalado na sede de seu império, no 26º andar da Trump Tower, debruçada sobre a efervescência da Quinta Avenida. “É a melhor vista de Nova York”, foi avisando. Estava cercado de assessores que decodificavam as manhas do chefe e de seus bibelôs — um cinto de Mike Tyson, um par de tênis tamanho-família do jogador de basquete Shaquille O’Neal e capas de revistas sempre estreladas por ele nas paredes. Em destaque, a da Playboy que, em regime de exceção, preteriu as mulheres e o estampou ainda mais topetudo aos 43 anos, quando era o “tal” do mercado imobiliário em Manhattan. “Poucas capas deles venderam tanto”, frisou, estufado de uma vaidade que ia se pronunciando conforme seguia a toda o tour pelas salas revestidas de mármore cor-de-rosa. “Pode ter certeza, é só pisar na rua que começam a berrar: ‘Trump, Trump! Você está demitido!’.” Era o bordão de O Aprendiz, programa de TV que o guindou a celebridade. “Eu a-mo is-so”, pontuou, valorizando cada sílaba.
Naquele fevereiro de 2014, Trump recebeu a equipe de VEJA para uma entrevista de Páginas Amarelas. Com uma Copa e uma Olimpíada à espreita, se preparava para investir em um hotel no Rio que levava seu nome, negócio que não vingaria. O Brasil lhe parecia um trópico estranho. “O senhor já esteve com Dilma Rousseff?”, perguntei. Resposta: “Não. Quem é ele?”. Esclareci que era ela, a presidente. Depois, ele citou a “natureza privilegiada” das mulheres brasileiras. “Mas, calma, não quero confusão para o meu lado”, soltou o dono de dois divórcios conturbados e já marido da ex-modelo eslovena Melania. A Casa Branca, “um lugar especial”, habitava suas ambições. A primeira tentativa de estreia na política havia sido em 2000, mas nem lançar o nome nas primárias ele conseguiu. Dessa vez, garantia, os republicanos tinham pesquisas em que seu nome despontava. “Estou preparado”, afirmou, como alguém predestinado. Em 2016, se tornou o 45º presidente dos EUA e passou a frequentar menos o tríplex no estilo Luís XIV (o Rei Sol) que mantém no topo da Trump Tower. Tudo indica que não voltará a morar lá tão cedo. Aos 74 anos, derrotado nas urnas e malquisto na cidade de tradição democrata, mal pisa em Nova York e mudou seu endereço eleitoral para a Flórida.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720