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‘Proteja suas instituições’, diz deputada trans da Venezuela ao Brasil

Tamara Adrián vê Bolsonaro e Trump como populistas, homofóbicos e racistas e adverte que, em seu país, as instituições falharam

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 31 out 2018, 18h53 - Publicado em 30 out 2018, 08h00

De Caracas, onde se reúne toda semana com seus colegas da Assembleia Nacional destituída de seu poder, a deputada Tamara Adrián, do partido opositor Vontade Popular, vê na escolha de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente do Brasil um processo similar ao que se deu nos Estados Unidos há dois anos, quando o republicano Donald Trump foi eleito para a Casa Branca.

Bolsonaro e Trump, em sua visão, são populistas com ideias retrógradas, homofóbicas e racistas e sem nenhuma noção sobre o gerenciamento macroeconômico de seus países.

“Eu diria aos brasileiros que tenham o cuidado de reforçar os mecanismos políticos de freios e contrapesos. Que não permitam a anulação ou a tomada dos principais órgãos da democracia pelas forças autoritárias”, recomendou a deputada, em entrevista a VEJA. “Caso contrário, acabará a possibilidade de se impedir uma debacle institucional.”

Tamara vê no Palácio de Miraflores, a sede do governo venezuelano, o melhor exemplo dos riscos que a democracia no Brasil talvez esteja correndo  neste momento. O descuido com as instituições e os órgãos responsáveis pelos freios e contrapesos foi o fator que permitiu a Hugo Chávez, no começo dos anos 2000, controlar o Legislativo, adotar uma nova Constituição (a Bolivariana), reformar completamente a Suprema Corte para mantê-la sob seus pés e comandar o Conselho Nacional Eleitoral.

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“O fortalecimento das instituições pode ser a única via de limitar as pretensões não democráticas de Bolsonaro”, afirmou, em um português marcado pelo sotaque lusitano. “É preciso lembrar que, na Venezuela, houve uma ‘reinvolução’ desde 1998, ou seja, a construção de um regime muito dominado pelos militares, mais retrógrado e nada aberto à diversidade.”

Em 1 de novembro, a trajetória da deputada venezuelana será exposta em salas de cinema do Brasil no filme Tamara, dirigido por Elia K. Schneider. A película ficou em cartaz por sete meses na Venezuela e bateu todos os recordes de público.

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Tamara comenta com orgulho o sucesso do filme, mas diz ser o roteiro 60% realidade e 40% ficção. Não esconde seu desgosto com a ênfase na cirurgia de mudança de sexo a que se submeteu na Tailândia, em 1993, quando já havia deixado de ser Tomás.

“Não era necessário. A discriminação que sofri antes de me decidir pela cirurgia foi muito maior do que a que experimentei depois”, comenta.

A advogada Tamara Adrián, de 64 anos de idade, é a primeira deputada transgênero e lésbica – casou-se com Maqui Márquez – da Venezuela, eleita com o apoio da comunidade LGBT e dos intersexuais e seus familiares. Ativista em um país essencialmente conservador, ela conseguiu a aprovação a seu projeto de criação do Dia Internacional contra Discriminação Sexual, em 2016, que acabou considerado nulo pelo governo de Nicolás Maduro.

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Em sua plataforma na Assembleia Nacional, que mesmo sem poder ainda pode se reunir em uma sala do prédio da antiga Câmara de Deputados, está o projeto de reforma da Lei Orgânica de Registro Civil. O texto tem o objetivo de permitir a união civil e o casamento de pessoas do mesmo sexo, o reconhecimento do sexo escolhido pelos transgêneros e a proibição da mutilações de crianças intersexuais, que nascem com os órgãos sexuais masculino e feminino. Em geral, os médicos extirpam o órgão masculino delas.

“Somente Malta, Alemanha, Holanda e Chile adotaram legislações como essa. Na Venezuela, assim como no Paraguai e no Peru, não há nenhum direito aos LGBT. Só algumas leis precárias contra a discriminação no trabalho”, relata.

Tamara Adrián começou sua carreira política nesta década por sugestão do líder de seu partido, Leopoldo López. Depois de três anos preso na masmorra de Rama Verde, acusado de ter incitado a violência durante uma manifestação da oposição em 2014, López cumpre prisão domiciliar desde setembro do ano passado.

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Em sua ação como deputada e ativista LGBT, Tamara enfrenta os mesmos obstáculos dos venezuelanos para ter acesso a alimentos, a remédios e a salário. Com a ajuda de entidades internacionais, ela auxilia os que se veem em situação desesperadora.

“Há pessoas que, há dois anos, não têm acesso aos hormônios que antes tomavam com regularidade, o que os expõem a doenças severas. Outras estão tomando testosterona para cavalos, o único tipo que ainda chega no país”, comentou.

“Vítimas de aids ficaram sem retrovirais entre novembro do ano passado e julho deste ano. Cerca de 20% dos transplantados no país estão sofrendo de rejeição dos órgãos por falta de medicamentos. Tratamentos de diálise e de quimioterapia para vítimas de câncer são raros”, listou.

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Transição fora do horizonte

A deputada não vê com clareza como nem quando o regime de Nicolás Maduro chegará ao fim. Com 1.000.000% de inflação, como foi estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) neste ano, a debacle venezuelana parece inevitável. Mas, acentua ela, o setor militar do país continua fortalecido e no controle, por concessão do governo, dos “negócios sujos, das minas, do tráfico de armas, do setor financeiro”. Trata-se do principal elemento a dar sobrevida ao regime, em sua opinião.

Para Tamara, um golpe de Estado por um grupo militar do país seria “mais do mesmo”. Outra saída para a Venezuela seria a situação forçar a ditadura de Maduro a mudar a orientação econômica, em benefício da população, já que a política dificilmente ele vai alterar. Uma terceira e alentada alternativa seria uma transição democrática, sobre a qual não há nenhum sinal no país.

Conforme explicou, o alardeado acordo de cooperação com a China, fechado durante visita de Maduro a Pequim em setembro passado, não veio acompanhado de novos contratos de antecipação de compra de petróleo, como no passado. Isso significa que a China fechou seus cofres a novos dispêndios na Venezuela.

O governo chinês, entretanto, acentuou as suas pressões sobre Caracas para reformar a empresa petroleira estatal PDVSA, de forma a reverter as sucessivas quedas de produção e de produtividade. Sem a recuperação da companhia, Pequim dificilmente receberá o que já injetou na Venezuela, sob o compromisso de fornecimento de petróleo. A China tem 50 bilhões de dólares investidos no país, segundo Tamara, que trabalhou por anos no Banco Central da Venezuela.

Assista ao trailer do filme Tamara, da diretora Elia K. Schneider, com Luis Fernández no papel principal.

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